quinta-feira, 28 de maio de 2015

annie choat








Caros Amigos,



UM QUASE CONTO POUCO EDIFICANTE:

BRUTTI, SPORCHI E CATTIVI


Aqueles dois nunca se entenderam em nada. Se um diz branco, o logo outro grita  que é preto.  Por isso não é de estranhar que o filho tenha saído problemático.

A mãe, fartinha de aturar o puto, está em pulgas para o despejar numa família de acolhimento. E vai ser  logo na primeira que lhe apareça. Longe vão os tempos em que tinha algum pudor na escolha.

Uma grossa  lágrima muito fingida escorre-lhe pelo desgostoso rosto enquanto esconde com dificuldade a satisfação de conseguir fazer um teatro tão perfeito.  

Soluça, a sofrida mulher.

É pelo bem do meu filho que faço tudo  isto, chora inconsolável. Só numa família de acolhimento ele poderá crescer forte e singrar na vida.

E conclui num sofrido lamento: amor de mãe…

O pai, escandalizado, acha que o pestinha deve ficar apenas algumas  horas na tal família. O  controle do nosso filho tem de ficar na família, grita indignado a quem o queira ouvir. Até posso concordar que uma família de acolhimento tome conta dele. Mas há que pôr limites; no mínimo, ficamos com 51% do nosso rapaz !!

E vai ameaçando a mãe com  mil e uma acções judiciais se a ingrata continuar nesta apressada campanha de contornos tão pouco claros.

Secretamente a mãe adorava impingir o puto ao pai;  era da maneira que esta  conversa da treta se acabava em dois tempos. O gajo mais parece um politico, resmunga, fervendo em lume brando.  

Lembra-se muito bem da  reacção do marialva quando teve de gramar com  a custódia do puto. Nessa altura, não fora ela, e este  malandro tinha atirado com o puto para uma instituição de caridade.  E agora dá-lhe para amnésia, pensa ressentida.  O morconso já se esqueceu do calvário que foi ter de aturar o cabrão do puto.

O filho anda tristonho.

Sabe que agora nem a Senhora do Loreto o salvará da família de acolhimento.

Meditabundo, vai enrolando um charro enquanto pensa na boa vida que está prestes a terminar.

Ai as saudades que já sente dos bons velhos tempos!

Nesses belos tempos,  por mais que fizesse, esperneasse ou gritasse, a história era sempre a mesma. E que doce história era essa! Claro que a mãe e o pai envolviam-se em intermináveis discussões mas, e isto é a única coisa que importa ao puto,  o dinheirinho pingava nos seus bolsos com admirável regularidade.

Um dia até chegou a convencer-se que o dinheiro vinha de um poço sem fundo.

Ainda berrava pelo rombo de trinta milhões quando percebeu que desta vez ia mesmo parar à família de acolhimento.

Desde então deu nisto; anda murcho, metido consigo mesmo e com maus fígados.

Medita nos tempos que aí veem enquanto olha de semblante carregado para o charro meio fumado.   Com sorte, a tal família de acolhimento até se interessará por ele. Mas não tem ilusões; se não quer ir parar à sargeta, terá de mudar de hábitos.

Sorumbático, puxa outra longa passa. Olha desconsolado para o charro. Nem este me alegra, caraças!

Pensa na vida e acha-a demasiado pesada.

Depressivo começa a enrolar outro charro enquanto sente uma imensa pena de si.








Hoje adicionei um excerto sobre a Annie Choat ao site do livro ( www.correiodearc.wix.com/terra  ), ao blog (http://terraleve.blogspot.pt/ ) e ao facebook  (www.facebook.com/terraleve).  




O espírito  da minha querida Annie está bem presente em todo o livro. Do primeiro ao último capítulo. 

(acreditam que me apaixonei por ela?)  

Foi um trabalho delicado tentar (terei conseguido?) dar uma imagem de alegria, confiança e positivismo através de um olhar nostálgico, dorido e em constante sofrimento.  Eu sei, eu sei... dito desta forma fica algo confuso… Reparem, a Annie chega-nos unicamente pelas  memórias do Pedro Lage, que tenta seguir em frente alimentando-se da vingança pela morte da mulher. 

É pois através de uma lente amarga (depressiva e revoltada mas,  ao mesmo tempo, saudosa, terna e carente ) que conhecemos a Annie, uma mulher de grandes paixões, empenhada, alegre e cheia de vida. 

O último momento da Annie nesta vida foi eternizado  numa fotografia: ela olha para o Pedro com um enorme sorriso com a Giralda ao fundo. Estava feliz e a transbordar de amor, numas férias em Sevilha. 

Conciliar esta disparidade de sentimentos foi o maior desafio que enfrentei ao tentar dar-vos a conhecer um dos personagens mais vibrantes e cheios de vida que imaginei (não deixa de ser irónica esta contradição…).  

Terminado o livro é à Annie que as minhas recordações regressaram. Por vezes sou tentado escrever algo mais sobre ela. Por vezes penso em alterar toda a história só para a  trazer de volta  à vida. Mas não, acho que a Annie está feliz assim, numa fotografia com a Giralda ao fundo, a olhar cheia de confiança e felicidade para nós.




Na minha mente  a Annie surge ao lado de palavras como alegria, confiança e mar.  E muita luz, também.  Então meti mãos à obra e procurei um rosto bonito que transmitisse esta dimensão de luminosidade. Curiosamente foi  fácil encontrar um rosto assim.









Queria uma música romântica para a Annie. O mais delicodoce que pudesse encontrar. Puro mel. Infelizmente as candidatas não tinham a frescura, harmonia  e luminosidade  que combinasse com o rosto dela. 

Então o tempo foi passando e eu encalhado na escolha. Tive de me socorrer de amigos e “bati a várias portas” perguntando se conheciam alguma música muito romântica e ao mesmo tempo alegre (omiti a palavra “fresco” para não cair no ridículo). Nada me satisfazia.  

Por fim,  falei com a Catia Palha que me disse logo: a Lucky de Jason Mraz. É romântica, alegre e até fresca, rematou a Catia! Há aqui uma certa justiça poética pois logo no início da escrita  aproveitei-me de alguns traços de personalidade da Cátia para criar a minha Annie Choat.

Pois é, miúda, também acho. A música que sugeriste é mesmo a cara da minha Annie. Obrigado pela dica. Fico a dever-te um lanche. Prometo que na próxima reunião IATA de slots que fores, eu pago-te  não um, mas três lanches (e outros tantos pequenos almoços). 

É de amigo, certo? 

Vejam a música e o video logo após o texto.








Podem consultar a página da Annie Choat  em: http://correiodearc.wix.com/terra#!__annie  




Escrevo algo que não me canso de sublinhar: utilizem umas boas colunas ou uns auscultadores. Há imensa música no site e, francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é francamente mau (horrível, mesmo).




Caso gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos vossos amigos. É a única forma de um desconhecido autor chegar a um público mais vasto. Os endereços são: www.facebook.com/terraleve   ou http://terraleve.blogspot.pt/.


E pronto, amigos.  Em breve estarei aqui para vos falar sobre a Teresa Belo.



















Capítulo 07
UM ANO PARA O FIM
LISBOA
PEDRO LAGE
Sábado, 12/Dez/2015, 23:00

Ontem, no café do Sr. António, um desconsolado miúdo gemeu alto e bom som a sua desgraça. Foi uma paixão eterna a dele, acesa nas labaredas do calor de verão, descolorida na paz outonal e finada com o frio de inverno. Chorava sem pudor a sua desdita e lamentava-se em voz alta das memórias que atormentavam o seu triste viver. Esquece essa gaja, responde o amigo igualmente em voz alta. Varre-a para o caixote do lixo da memória . Este era o ânimo que o amigo, solidário com tamanha dor, lhe dava entre dois goles de cerveja. Para vincar o seu ponto de vista pincelava em tons muito negros a personalidade da ingrata.

Seguro na fotografia de Annie e maravilho-me uma vez mais com o lindo sorriso que me oferece com a Giralda lá ao fundo. Recordando o inconsolável Romeu no café do Sr. António, penso como as coisas foram tão diferentes entre nós. Olho para o relógio e vejo que ainda tenho tempo para me perder em recordações. O velho piano da Tasca da Cerveja pode esperar um pouco, e estou certo que o Chopin não se importará muito se chegar um pouco atrasado. Talvez hoje o meu primo Miguel apareça por lá.

A princípio eu e a Annie dificilmente conseguíamos compatibilizar os horários. A condição de interno em neurocirurgia sugava a minha vida como um poço negro e o tempo disponível para nós era uma raridade. De quando em vez, como por milagre, conseguíamos usufruir da companhia um do outro. 

O início de Outubro em Boston é mágico. Adorávamos passear pelo parque central, aqui simplesmente chamado parque público. Muito mais pequeno que o seu primo de Nova Yorque, o jardim de Boston era, para nós, muito mais bonito. Gostávamos de sentar num banco mesmo por baixo de um frondoso salgueiro enquanto olhávamos os turistas caminhando de máquinas em punho, passeando pela ponte Jamaica. A Annie tinha uma predileção especial pelos barquitos repletos de ruidosas crianças, engalanados com bustos de elegantes cisnes. Ela apenas referia a graciosidade dos cisnes de madeira mas sabia bem que o seu coração enternecia-se com a excitação das crianças dentro dos barquitos. 

O fantástico colorido das frondosas árvores elevava o nosso espírito e, não raras vezes, o beijo explodia intenso como dois arrebatados adolescentes. E sim, nesse beijo não havia amanhã, tal era o nosso abandono. Um dia quase jurei que o George Washington me piscou o olho do cimo do seu cavalo. Normalmente terminávamos a manhã na parte norte do jardim, num ícone da cidade. O hamburgers do Cheers até nem são maus de todo. Mas é o ambiente e as reminiscências da série televisiva que nos faziam rumar na direção da Beacon.

Nesse dia a Annie queria fazer dieta e o Cheers não era um bom lugar para se estar. Depois de uma longa corrida até Bunker Hill, estávamos agora sentados a ver o manso Charles acolher esforçadas regatas, enquanto os nossos corações recuperavam da corrida. Foi nesta altura que a Annie falou da caminhada. Estava um esplendoroso dia e o intenso azul recordava a minha Lisboa.

- A vida é como uma caminhada, sabes? - diz pensativa, enquanto toma minha mão entre as suas – Uma caminhada da qual sabemos muito pouco. Não sabemos para onde vamos, o que nos espera, nem quanto tempo nos resta até ao grande final. Apenas sabemos que não podemos parar.

A minha Annie sempre gostou de verbalizar os seus pensamentos.

Quero partilhar tudo contigo, disse-me um dia. Até os meus pensamentos mais íntimos. Dizia que a união é essencialmente uma partilha. Para além de partilhar o corpo, fazia questão que soubesse os seus pensamentos mais profundos. Só assim eu serei realmente tua e tu realmente meu, disse-me nessa altura.

- Sinto falta de estar mais tempo contigo, de viajarmos os dois. 

Aninha-se nos meus braços e ficamos a ver um solitário ganso, vindo dos lados da Longfellow, sobrevoar o museu da ciência e continuar para norte. Inclina-se para mim e procura os meus lábios.

Esta foi a primeira vez que falou na morte.

- Se um dia morrer - dissera-me enquanto acariciava o meu rosto - de onde estiver, quero que saibas que estarei sempre a teu lado.

Depois deu-me outro beijo, este mais intenso.

- E desejo que encontres a felicidade junto de outra pessoa. Quero que sejas feliz - faz uma pausa a alinhar as ideias e conclui - porque só assim, meu querido, estando eu onde estiver, poderei ser feliz também.







sexta-feira, 22 de maio de 2015

Edward Choat




Caros Amigos,

Hoje adicionei um excerto sobre o Edward Choat ao site do livro ( www.correiodearc.wix.com/terra  ), ao blog (http://terraleve.blogspot.pt/ ) e ao facebook  (www.facebook.com/terraleve).  

Logo no início do livro damos com o pai da Annie, o misterioso Edward Choat.  O Edward foi das personagens que mais trabalho me deu a moldar.  Não é nada fácil escrever sobre sofrimento, e o solitário Edward é um pai que simplesmente não consegue ultrapassar a morte da sua filha.  Uma boa parte da vida daquele  pai terminou na explosão em Sevilha que ceifou a vida da Annie. Edward continua a viver uma vida que perdeu muito do seu sentido; transformou-se numa pessoa lacónica, imerso em recordações que tenta desesperadamente preservar, anotando-as num caderninho que está sempre com ele. Procura a companhia do Pedro e juntos, muitas vezes sem palavras, apenas acompanhados  por um tinto alentejano tão ao agrado da Annie, mergulham longamente em saudosas recordações que se prolongam até à partida do último barco para Boston.

Quando a personagem  Edward "se chegava à frente", a escrita emperrava e eu enchia-me de nervos. Mais que todos os outros personagens, precisava dar um rosto ao Edward. As buscas na internet revelaram-se um fracasso total e percebi que, mais que um rosto, o Edward precisava de uma pessoa, de um modelo onde fosse “beber” a personalidade, os valores, as atitudes… enfim, onde me fosse inspirar.  

Lembro-me perfeitamente de um almoço no “Outra loiça” em Sacavém em que o João Oliveira falava e eu mal o ouvia, de tão embrulhado que estava com o personagem Edward. A páginas tantas dou por mim a ouvir com toda a tenção o que o João me contava sobre o filho. Depois recordei outras conversas dele, muito preocupado com o rapaz, na altura a trabalhar numa consultora em Portugal e a fazer infindáveis quilómetros de norte a sul do país. Subitamente percebi que tinha à minha frente o Edward Choat.

Quem conhece o alegre e extrovertido  João Oliveira, certamente ficará incrédulo com esta escolha. Acontece que conheço muito bem este meu amigo e, por baixo da capa “espalha brasas”  e “boa onda”, esconde-se uma pessoa nobre, com ideias e ideais muito estruturados, sensível, apaixonado e dedicado. Estes são traços de personalidade que definem o Edward Choat na perfeição.


Edward Choat, tal como o João Oliveira, é um gentleman.  Ambos vem de famílias com história,  ambos são pessoas requintadas e ambos são profundamente românticos.  A música que escolhi para eles deverá traduzir tudo isto; tem de ser distinta, requintada e romântica.  Moonlight serenade. Versão Frank Sinatra.  Conseguem imaginar melhor?

Podem consultar a página do Edward Choat  em:
http://correiodearc.wix.com/terra#!__edward

Escrevo algo que não me canso de repetir: utilizem umas boas colunas ou uns auscultadores. Há imensa música no site e, francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é francamente mau (horrível, mesmo).

Caso gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos vossos amigos. É a única forma de um desconhecido autor chegar a um público mais vasto. Os endereços são: www.facebook.com/terraleve   ou http://terraleve.blogspot.pt/.
E pronto, amigos.  Em breve estarei aqui para vos falar sobre a Clara de Souza, a esposa do Inspetor Frederico.











Capítulo 51
TRÊS MESES ANTES DO FIM
PEDRO LAGE
CAPE COD
Sábado, 17/Setembro/2016, 13:00


Ao longe, a esguia figura do Edward mantém-se imóvel de frente para as águas da baía. Pelo bando de gaivotas que quase o cercam, deve estar assim já há bastante tempo. O meu sogro tem sido visita assídua desde que cheguei a Cape Cod. 

O Edward mexeu-se um pouco e as gaivotas mais perto esvoaçaram assustadas, contagiando o resto do bando.  Entre a nuvem de gaivotas, consigo ver o meu sogro meter a mão dentro da eterna  gabardina da Camel. Sei que irá tirar um caderninho de capa laranja para anotar mais uma recordação. Sinto um aperto no coração ao recordar a primeira vez que me falou neste caderninho. A máscara que normalmente afivela impediu-me de ler o seu estado de espírito; desconhecia o desespero em que tinha mergulhado.

        - Diagnosticaram-me Alzeimer, Pedro – disse isto serenamente enquanto beberricava um Convento do Carmo de 83 e contemplava, lacónico,  o sol que se punha atrás de ameaçadoras nuvens negras.

Há tempos falei-lhe no  ritual que a Annie e eu tínhamos ao por do sol. Desde então providenciou que a minha garrafeira estivesse bem fornecida de  bons tintos alentejanos.

        - Restam-me as memórias da Annie, Pedro. E até isto me querem tirar. 

Foi a primeira vez que abracei longamente um homem e, enquanto o sol se punha para lá do horizonte, fundimo-nos num emocionado amplexo, tentando não ceder ao  desespero.

(...)

       - Sabes que naquela casa.... aquela que está depois da duna grande, abriram um hotel? - pergunta enquanto poisa o Stetson e pendura o coçado sobretudo da Camel.

Ultimamente perco-me nas minhas recordações e não dei pela entrada do Edward. É um velho que tenho à minha frente. A vida deixou de fazer sentido para mim, confidenciou-me da primeira vez que me visitou. De vez em quando repete com o olhar perdido algures que a  Annie era o seu  futuro. 

Outra vítima do Carlos Parreira.

       - A Diana já não me aguenta, Pedro. Ás vezes nem eu me aguento a mim próprio. - diz enquanto encho os copos de um Convento do Carmo – Chama-me cobarde por virar as costas à vida.

À vida e à ilustre casa dos Choats repleta de histórias épicas e carradas de sucesso. Calculo a exasperação da minha sogra. No Olimpo os deuses não podem ser depressivos.

        - Não julgues com demasiada rispidez a Diana – o Edward sempre foi muito bom a interpretar o que vai na minha mente – Talvez ela tenha razão, Pedro. Talvez esteja a ser um pouco cobarde. Mas sabes uma coisa? Estou-me nas tintas.Para todos eles. Vivo de recordações. Ou melhor, vivo para as recordações. O resto já deixou de me interessar. Realmente nunca interessou verdadeiramente. 

Depois de um momento de silencio disse-me que não me via por Boston.

        - Tens visitado a Annie?

Todos os dias querido Edward. Todos os dias. No entanto sabia que referia-se ao magnífico sarcófago que construiram na tumba dos Choats nos claustros da Catedral de Boston.

        - Ela vive em mim, Edward – respondi suavemente enquanto tomava nota para ir a Boston de vez em quando visitar a tumba dos Choats.

Deu ideia de ter ficado satisfeito com a resposta e mudou de assunto. 

        - Da próxima vez vou ver a pousada atrás da duna mãe – era assim que a Annie chamava à duna onde contemplávamos o pôr do sol e tantas vezes fizemos amor à luz das estrelas.

Colocou o velho Stetson na cabeça e agarrou no sobretudo. Tinha de se apressar ou perdia o último barco para Boston. Olho para este homem derrotado pela vida e dou-lhe um forte abraço. Estamos unidos por um laço mais forte que a vida e ao ver o ar desamparado do meu sogro proferi uma jura silenciosa; tinha chegado a hora de o ajudar. De retribuir tudo o que fez por mim. Irei acolhê-lo durante os anos que ainda lhe restam, acolhê-lo quando o alzheimer varrer as suas memórias, ampará-lo na velhice e ambos celebrarmos as memorias da nossa Annie.







quinta-feira, 21 de maio de 2015

John Travis







UM QUASE CONTO  POUCO  EDIFICANTE:

O LINCHAMENTO DO ZÉZINHO.


Os dois putos olham esperançados para o Zézinho. Basta um pouco de sorte para se safarem desta embrulhada. 

Um pouquinho só.

Em bom rigor, só necessitam que o Zézinho seja o bronco que costuma ser.

No verão passado aqueles dois tinham estragado o ai Jesus da malta: um estiloso e muito acarinhado carrinho de rolamentos. 

Sem que a malta soubesse, meteram-se em corridas com o carrinho de rolamentos. Agora lamentam ter puxado demasiado pelo bólide de madeira que se desconjuntou logo na segunda curva, deixando o Pedrinho com um joelho em mísero estado e um enorme problema para aqueles dois.

Uma bisnaga de cola tudo, cinco ou seis pregos martelados com muita energia e um novelo de cordel cientificamente aplicado, camuflam a desgraça e adiam o inevitável. É justo dizer que o São Pedro tem dado uma preciosa ajuda; com o chuvoso inverno que se fez sentir, desde o infeliz acidente no verão passado que o remendado carrinho de rolamentos  ainda não saiu da garagem do Jota . 

O bom tempo que aí vem soa a raios e coriscos para estes dois putos. Se fossem de rezas, os dois putos até imploravam à Senhora do Loreto a benesse de um milagre. Não sendo, estavam de olho no Zezinho. Contavam com a sua lendária estupidez para se safarem deste aperto..

E o inevitável aconteceu logo ao terceiro dia de bonança : a malta decidiu fazer hoje uma corrida.

O bando dispersou-se alegremente ladeira abaixo e o Zézinho era dos mais impacientes em exibir os seus dotes de pilotaço.

Cuidado com o carrinho!, gritavam o mais alto que conseguiam, os dois sabidos  putos.  

Olhando para a íngreme ladeira e ouvindo os sábios conselhos daqueles dois malandrecos, a malta ficou subitamente indecisa. 

Talvez fosse melhor descerem algo mais suave.

Foi nesta altura que os dois putos olharam esperançados para o Zézinho. 

coração deles baqueou ao verem  o bronco Zézinho vacilar um pouco, enquanto olhava para a inclinada ladeira. 

Em pânico, os dois putos redobraram o gritos: 


É melhor não ires, Zézinho. Tu não és capaz! 


Olha que ainda nos estragas o carrinho de rolamentos!

Com o orgulho ferido e a másculo sentir posto em causa, o Zézinho empurra decidido o carrinho de rolamentos.  Solta o grito de guerra e à segunda tentativa lá consegue saltar para dentro do carrinho de rolamentos.

A cola, os pregos e o cordel aguentaram estoicamente as primeiras guinadas do Zézinho. 

A malta gritava e aplaudia numa excitação crescente. 


O carrinho de rolamentos com o Zézinho lá dentro parecia possuido pelo demo. Ladeira abaixo sem travão nem air bag, lá ia o carrinho de rolamentos entre gritos e vivas. 

Saiu da primeira curva embalado e  sem se desconjuntar, com o Zézinho a uivar que nem um louco.

Os dois putos, mudos de espanto,  nem queriam acreditar no que viam.

Não me digas que...

Mas ao entrar na segunda curva, a força centrifuga fez valer os seus pergaminhos e logo uma das rodas saiu disparada.

O alucinado rolamento falhou por milímetros o BMW do senhor Álvaro e fez um arco perfeito sobre o muro da casa da D. Roberta, a austera mãe do Zézinho.

No meio de tamanha aflição, ninguém ouviu os vidros estilhaçados da vivenda da pobre senhora. 

Olhando para o que estava a acontecer, até o pastor alemão da D. Roberta se esqueceu de ladrar.

Perante o coro horrorizado da malta, o eixo do carrinho de rolamentos quebrou-se. 


Ainda hoje há quem afirme ter visto um prego e um pedaço de cordel  irem pelos ares, enquanto o precioso bólide se partia em mil pedaços.

Por momentos o Zézinho voou como um pardal, urrou que nem um burro e estatelou-se ao comprido na calçada como um saco de batatas.

Muito chorou e gritou a malta pelo seu carrinho de rolamentos escaqueirado.

Também o pastor alemão da D. Roberta, recuperado do susto, pos-se a ladrar furiosamente.

De todos, os mais inconsoláveis eram os dois putos.


Foi então que uma fúria justiceira varreu o grupo e todos desataram a correr atrás do maldito Zézinho.











Caros Amigos,

Hoje adicionei um excerto  sobre o John Travis.

Site do livro( www.correiodearc.wix.com/terra  ),
Blog (http://terraleve.blogspot.pt/
Facebook  (www.facebook.com/terraleve).   

Este mercenário Sul Africano deveria aparecer apenas num único capítulo. Coisa marginal, apenas. Imaginei-o possante,  rude, racista e impiedoso. Como escrevi, estava destinado a passar despercebido. O John Travis devia ser personagem de  um capítulo apenas.  

Acontece que ao longo do processo de escrita fui tropeçando frequentemente  neste rude homem e, sim, a personagem parecia que tinha vontade própria. Então o que era para ser uma aparição esporádica foi permanecendo ao longo dos capítulos. Também se foi transformando, o homem. 

Ainda agora sinto admiração por este determinado John Travis que, contrariando a minha vontade, soube reinventar-se e conquistar um papel de relevo na trama que fui tecendo. Tal como a prostituta  Teresa Belo, o John Travis  é um bom exemplo de algo que nunca julguei ser possível: certos  personagens imaginados terem vontade própria e imporem o seu caminho, o seu ritmo. 

Eu sei, eu sei que parece mesmo impossível o que acabei de escrever mas… o John está aí para provar o contrário.

Contrariamente  aos restantes personagens, o John Travis teve um rosto ainda antes de escrever uma linha sobre ele. Estava a ver a série Unit e um personagem encaixou perfeitamente na imagem que construi para este rude mercenário. Senti que o impiedoso Mack “Dirt Diver” Gerhardt, em permanente conflito consigo próprio e com visível dificuldade em lidar com as emoções,  tinha saltado das folhas do meu livro para se juntar à unidade de elite norte americana.











O John Travis faz a sua aparição no capítulo sexto, um dos que me saiu melhor. No entanto foi bem difícil de o terminar. A cerca de dois terços, a escrita parou. Não sei se sabem mas estes momentos são piores que maus para um aprendiz a escritor. Temos a ideia na cabeça, sabemos o que queremos escrever mas… não sai nada. Foi exactamente quando uma pistola apontou à cabeça deste gigante sul africano que a fonte secou. Nestas alturas o melhor é fechar a loja e ir apanhar ar ou fazer outra coisa qualquer (menos tentar escrever, claro está).  O problema foi quando no dia seguinte também fiquei a olhar para a pistola apontada à cabeça do John Travis e não havia maneira de me decidir a escrever.  

Percebi então que o John precisava de uma música que lhe desse alma. Uma que fosse rebelde e forte como este mercenário. Meti-me no “metal” e percorri todo o espectro; desde o hard até ao dead ou ao trash. Por esta ou aquela razão nenhuma música  servia. Ou seja, foi mais um dia desperdiçado para a escrita.  No dia seguinte, a caminho da TAP, a Antena um presenteou-me com a música certa para o meu John. “How you remind me” de Nickelback tem  tudo o que eu procurava e… bastante mais (realmente esta música ajudou a transformar a personagem ). Para além da força, rebeldia e desilusão, há um toque de romance… uma pitada de humanidade. Cá para mim era já o John Travis a lutar por um lugar cimeiro no elenco do livro…

Podem consultar a página do John Travis em: http://correiodearc.wix.com/terra#!__John

Escrevo algo que não me canso de sublinhar: utilizem umas boas colunas ou uns auscultadores. Há imensa música no site e, francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é francamente mau (horrível, mesmo).

Caso gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos vossos amigos. É a única forma de um desconhecido autor chegar a um público mais vasto. Os endereços são: www.facebook.com/terraleve   
ou 
http://terraleve.blogspot.pt/.

E pronto, amigos.  Em breve estarei aqui para vos falar sobre a Annie.



















Capítulo 23
UM ANO  PARA O FIM
JOHN TRAVIS
CABINDA
Segunda feira, 21/Dez/2015, 10:00


A lua, cheia, destaca-se serena num céu estrelado, iluminando a estrada pejada de cadáveres. Moscas, ratazanas, mosquitos e uma miríade de vermes banqueteiam-se nos corpos despojados de qualquer dignidade. Mais tarde irão chegar as hienas e, por fim, algum casal de leões virá atraído pelo cheiro da carnificina. 

Uma criança caminha entre os corpos, já seca de lágrimas choradas, embrutecida por uma realidade que não consegue abarcar. Caminha de forma mecânica, gemendo pela mãe, mera lamuria que perdeu o histerismo e mantém-se agora numa incessante repetição atordoada. Segue na direção da igreja, monumento silencioso enfeitado por um denso colar de corpos esventrados, cercando-a e profanando o seu interior, ignorando os santos recantos. Parcialmente escondido atrás da maciça porta de madeira, indiferente aos cadáveres que o cercam,  um  homem limpa uma enorme faca à camisa, preparando-a para um derradeiro corte.

Incapaz de se conter, salta do abrigo e corre na direção da criança num desesperado ato de redenção. 

Infrutífera corrida, esta. O homem abandona a sombra do pórtico, e em vigorosas passadas acerca-se da criança, com a faca em posição de cumprir o seu mortífero desígnio. 

Porém passa pela criança sem lhe tocar. 

O alvo é outro. 

Ergue o braço exibindo uma pistola, apontando-a na direção do John. A esta  distancia tão curta o gigante Sul Africano sabe que não tem escapatória possível. 

Olha para o tenebroso buraco apontado à sua cabeça  e recorda-se de um jipe solitário em plena savana rolando sob um glorioso céu azul. Os turistas, alegres e ruidosos apesar dos seus incessantes pedidos ao silêncio, tem as máquinas fotográficas em punho , apontadas para o búfalo e para a girafa. 

Quando a bala, fumegante,  sai na sua direção, pensa pela milionésima vez que nunca deveria ter saído do Kruger.

Acorda a arfar, o corpo molhado em suor, apesar do ar condicionado estar a  funcionar na perfeição. A companheira murmura-lhe palavras doces enquanto lhe passa um pano húmido pela face.

O massacre de Nyarubuye. 

Nunca mais foi o mesmo desde então. Os fantasmas, todos os fantasmas dessa maldita noite povoam  os seus sonhos com horrendas visões do inferno. A arfar, o coração está disparado numa cavalgada desenfreada. 


Toma lentamente consciência dos lençóis que o envolvem, da Paula que o acalma e do inferno que é continuar vivo depois de Nyarubuye.















quinta-feira, 14 de maio de 2015

Anselmo Munguambe











Caros Amigos,

Quinta feira à noite, altura de divulgar mais um "post" sobre o meu segundo livro "Que a terra te seja leve". 

Neste texto irei falar-vos do Anselmo Munguambe, o ex detetive angolano.  

Na próxima quinta será a vez do John Travis, o mercenário sul africano.

Antes de me debruçar sobre o  Munguambe,  falo-vos de tempestades, mar revoltoso e de um barco à deriva. Trata-se de um pequeno quase conto: 


UM QUASE CONTO POUCO EDIFICANTE


TRAGICOMÉDIA MARÍTIMA EM MEIO ATO


No meio da violenta tempestade, um navio segue sem rumo.

Dentro do velho barco, uns remam, outros tiram a água que inunda o convés e todos rezam para conseguir chegar sãos e salvos a terra.

O barco, sabem bem, está perdido. O rombo que sofreu no verão de 2014 estragou-lhes a rota e ditou o destino. 

Agora importa apenas fazer chegar o navio a terra.

A tormenta estala brava; cada vez entra mais água no convés, e a terra não passa de miragem.


Um tripulante louco desce ao porão segurando uma enorme broca.

Estala um coro de aflitos ao verem o buraco que a broca faz no casco.

Quando o mar inunda o porão, o louco tripulante grita:

Trinta milhões! Infligi um buraco de trinta milhões!

Gritos, rezas e uns quantos marinheiros as saltarem borda fora.

Talvez um milagre aconteça. Ainda há esperança de ver terra.

Redobram-se esforços, multiplicam-se vontades. 

Os baldes retiram água mais rapidamente e rema-se agora com mais vigor. 

Faz-se das fraquezas, forças.

Talvez, talvez ainda se consiga chegar a terra.

Do nevoeiro surge uma vez mais e negra broca.


E o louco tripulante faz outro furo no porão. 








Hoje adicionei um excerto sobre o Anselmo Munguambe 
ao site do livro ( www.correiodearc.wix.com/terra  ), 
ao blog (http://terraleve.blogspot.pt/
e ao facebook  (www.facebook.com/terraleve).  

Já leram algum policial em que o detective fosse homossexual? Não? Pois eu também não. Por isso meti mãos à obra e criei um detective gay… e depressivo. 

Confesso que a princípio o objectivo que me propus pareceu-me complicado.  Li há tempos que os sentimentos, a qualidade dos sentimentos não conhece cor, nem religião, nem sexo. Fiquei a matutar nisto por uns tempos e depois percebi que o amor, tal como o desejo, a inveja, a raiva ou o desespero são intrínsecos de nós, humanos, independentemente de tendência sexuais, sociais ou religiosas. 

Tendo isto em mente, foi-me mais fácil trabalhar a personagem Anselmo Munguambe, os seus medos, desejos e amores.

Queria um personagem ao mesmo tempo misterioso e socialmente distante. Estava a ver uma série do Fringe quando esbarrei no “meu” Anselmo. Depois recordei-me de também o ter visto  em “The Wire” e, sim, lá estavam as características com que tinha vestido o meu personagem. Recentemente ele voltou a aparecer  noutra série (The Blacklist) e, adivinhem, era mesmo o meu Anselmo sem tirar nem pôr!






A música foi das mais fáceis de encontrar.  Colocar um gay como detective é uma provocação que fiz aos romances policiais (todos são hétero, que eu saiba). Resolvi levar a provocação um pouco mais à frente. E que tal uma música delicada, romântica (melada, mesmo) para um detective durão e gay? E agora,  ainda mais um passo para dificultar a escolha: sendo ele africano, que tal colocar um ritmo de savana na tal música suave, romântica e melada?

Parece difícil, não é? Mas não, foi muito fácil, até. Basta passear pelo Kruger e comprar uns quantos CD’s locais… Esta música  é uma pérola para mim; não tanto pela estrutura ou sonoridade mas por ter sido uma descoberta que traz à lembrança umas férias fabulosas. Digam lá, alguém conhece um grupo chamado Malaika Vuthelani? E Baba Wami? Não? Pois fiquem sabendo que Baba Wami até uma música altamente romântica. Aliás, própria do Munguambe. Certo? Alguma dúvida, soba? Aqui o thshindéré foi aluka dos mutu!   Um canando páti, panji!

Ouçam a música do Anselmo Munguambe clicando na imagem.









Podem consultar a página do Anselmo Munguambe em: http://correiodearc.wix.com/terra#!__anselmo

Escrevo algo que não me canso de sublinhar: utilizem umas boas colunas ou uns auscultadores. Há imensa música no site e, francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é  mau (horrível, mesmo).

Caso gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos vossos amigos. É a única forma de um desconhecido autor chegar a um público mais vasto. Os endereços são: www.facebook.com/terraleve   ou http://terraleve.blogspot.pt/.

E pronto, amigos.  Em breve estarei aqui para vos falar sobre o John Travis.











Capítulo 03
UM ANO  PARA O FIM
ANSELMO MUNGUAMBE
LUANDA
Quinta feira, 10/Dez/2015, 10:00

Contraiu os músculos e mudou de posição na rede mas, por mais que faça, não consegue encaixar todo o enorme corpo no adorável pedaço de pano. As longas pernas tombam molemente roçando o chão.

Ultimamente a rede é o seu mundo. 

Não fosse o constante resmungo da Luena e  passaria ali toda a noite, esparramado nesta deliciosa invenção que um dia os brasileiros deram a conhecer ao mundo. Passava na rede  a noite, a manhã, a tarde... Era capaz de viver  o que  restasse da vida nesta rede, mexendo-se o menos possível e, principalmente, tentando não pensar em nada. 

Tinha descoberto as virtudes do imobilismo como filosofia de vida.

        -  Um dia ainda cais dessa maldita coisa e partes o teu preguiçoso cu negro  – resmunga a Luena, afadigada na cozinha - Talvez  depois faças alguma coisa da tua desgraçada vida. Tem vergonha, negro. Quase com quarenta e cinco anos e continuas matumbo como um rapazinho apaixonado.

Anselmo suspira. Ultimamente não tem feito outra coisa que não suspirar. Olha para o portão ferrugento e vê uma quitandeira a passar, a cabeça submersa pelo sacão de serapilheira, as costas vergadas pela trouxa maior que ela.  

Por um momento pensa responder à Luena. 

Arrepende-se. Vira-se para o outro lado e decide não falar. Não falar nem pensar.  

Principalmente não pensar no Puto Zé. 

Novo suspiro, desta vez mais profundo. 

Da cozinha, o barulho de tachos intensifica-se. 

Um bando de miúdos passa numa gritaria e um cão ladra para o ar. Ao longe, um rádio desata aos berros com irados solos de guitarra elétrica acompanhado por uma bateria histérica.

        -  Já concertaste a tabuleta? – de novo a Luena a barafustar com ele desde a cozinha. 

Não, não tinha concertado a tabuleta. Nem iria concertar . Aliás, a ideia colocar a maldita tabuleta anunciando os serviços do detetive Anselmo, não fora sua. A Luena, sua vizinha, confidente, mulher a dias e recentemente auto proclamada  secretária particular “pró bono”, passou um fim de semana a desenhar naquela maldita tábua as palavras escritas a vermelho. Depois desenhou uma pistola e umas algemas. Como se não bastasse, esborratou algo parecido com uma bomba a rebentar. Um dia ainda lhe vai perguntar qual o significado dessa bomba. Tudo a vermelho sobre um fundo amarelo. 

Fantástico!

Serviços do detetive Anselmo.  

Assim mesmo.

Que serviços, meu Deus? Mulher desconfia de marido?  Felizmente ainda não lhe apareceu ninguém. Nem mulher, nem marido, nem amante. Nem admira que não apareça. Aquela placa amarela com letras vermelhas deve afugentar os potenciais clientes.

Quem ele queria não aparece. Ou melhor, quem ele queria, desapareceu. Gosta de acreditar que voou para os braços das notas verdes. Que foi mais por interesse que por desejo. Mas não tem a certeza. E isso é o que magoa mais. Não ter a certeza. Uma dor inunda-lhe a memória ao mesmo tempo que o  desejo se incendeia nas virilhas. Força o cérebro a esquecer. A ser como uma tela em branco. 

Da cozinha, os tachos  batem com mais violência.