sexta-feira, 22 de maio de 2015

Edward Choat




Caros Amigos,

Hoje adicionei um excerto sobre o Edward Choat ao site do livro ( www.correiodearc.wix.com/terra  ), ao blog (http://terraleve.blogspot.pt/ ) e ao facebook  (www.facebook.com/terraleve).  

Logo no início do livro damos com o pai da Annie, o misterioso Edward Choat.  O Edward foi das personagens que mais trabalho me deu a moldar.  Não é nada fácil escrever sobre sofrimento, e o solitário Edward é um pai que simplesmente não consegue ultrapassar a morte da sua filha.  Uma boa parte da vida daquele  pai terminou na explosão em Sevilha que ceifou a vida da Annie. Edward continua a viver uma vida que perdeu muito do seu sentido; transformou-se numa pessoa lacónica, imerso em recordações que tenta desesperadamente preservar, anotando-as num caderninho que está sempre com ele. Procura a companhia do Pedro e juntos, muitas vezes sem palavras, apenas acompanhados  por um tinto alentejano tão ao agrado da Annie, mergulham longamente em saudosas recordações que se prolongam até à partida do último barco para Boston.

Quando a personagem  Edward "se chegava à frente", a escrita emperrava e eu enchia-me de nervos. Mais que todos os outros personagens, precisava dar um rosto ao Edward. As buscas na internet revelaram-se um fracasso total e percebi que, mais que um rosto, o Edward precisava de uma pessoa, de um modelo onde fosse “beber” a personalidade, os valores, as atitudes… enfim, onde me fosse inspirar.  

Lembro-me perfeitamente de um almoço no “Outra loiça” em Sacavém em que o João Oliveira falava e eu mal o ouvia, de tão embrulhado que estava com o personagem Edward. A páginas tantas dou por mim a ouvir com toda a tenção o que o João me contava sobre o filho. Depois recordei outras conversas dele, muito preocupado com o rapaz, na altura a trabalhar numa consultora em Portugal e a fazer infindáveis quilómetros de norte a sul do país. Subitamente percebi que tinha à minha frente o Edward Choat.

Quem conhece o alegre e extrovertido  João Oliveira, certamente ficará incrédulo com esta escolha. Acontece que conheço muito bem este meu amigo e, por baixo da capa “espalha brasas”  e “boa onda”, esconde-se uma pessoa nobre, com ideias e ideais muito estruturados, sensível, apaixonado e dedicado. Estes são traços de personalidade que definem o Edward Choat na perfeição.


Edward Choat, tal como o João Oliveira, é um gentleman.  Ambos vem de famílias com história,  ambos são pessoas requintadas e ambos são profundamente românticos.  A música que escolhi para eles deverá traduzir tudo isto; tem de ser distinta, requintada e romântica.  Moonlight serenade. Versão Frank Sinatra.  Conseguem imaginar melhor?

Podem consultar a página do Edward Choat  em:
http://correiodearc.wix.com/terra#!__edward

Escrevo algo que não me canso de repetir: utilizem umas boas colunas ou uns auscultadores. Há imensa música no site e, francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é francamente mau (horrível, mesmo).

Caso gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos vossos amigos. É a única forma de um desconhecido autor chegar a um público mais vasto. Os endereços são: www.facebook.com/terraleve   ou http://terraleve.blogspot.pt/.
E pronto, amigos.  Em breve estarei aqui para vos falar sobre a Clara de Souza, a esposa do Inspetor Frederico.











Capítulo 51
TRÊS MESES ANTES DO FIM
PEDRO LAGE
CAPE COD
Sábado, 17/Setembro/2016, 13:00


Ao longe, a esguia figura do Edward mantém-se imóvel de frente para as águas da baía. Pelo bando de gaivotas que quase o cercam, deve estar assim já há bastante tempo. O meu sogro tem sido visita assídua desde que cheguei a Cape Cod. 

O Edward mexeu-se um pouco e as gaivotas mais perto esvoaçaram assustadas, contagiando o resto do bando.  Entre a nuvem de gaivotas, consigo ver o meu sogro meter a mão dentro da eterna  gabardina da Camel. Sei que irá tirar um caderninho de capa laranja para anotar mais uma recordação. Sinto um aperto no coração ao recordar a primeira vez que me falou neste caderninho. A máscara que normalmente afivela impediu-me de ler o seu estado de espírito; desconhecia o desespero em que tinha mergulhado.

        - Diagnosticaram-me Alzeimer, Pedro – disse isto serenamente enquanto beberricava um Convento do Carmo de 83 e contemplava, lacónico,  o sol que se punha atrás de ameaçadoras nuvens negras.

Há tempos falei-lhe no  ritual que a Annie e eu tínhamos ao por do sol. Desde então providenciou que a minha garrafeira estivesse bem fornecida de  bons tintos alentejanos.

        - Restam-me as memórias da Annie, Pedro. E até isto me querem tirar. 

Foi a primeira vez que abracei longamente um homem e, enquanto o sol se punha para lá do horizonte, fundimo-nos num emocionado amplexo, tentando não ceder ao  desespero.

(...)

       - Sabes que naquela casa.... aquela que está depois da duna grande, abriram um hotel? - pergunta enquanto poisa o Stetson e pendura o coçado sobretudo da Camel.

Ultimamente perco-me nas minhas recordações e não dei pela entrada do Edward. É um velho que tenho à minha frente. A vida deixou de fazer sentido para mim, confidenciou-me da primeira vez que me visitou. De vez em quando repete com o olhar perdido algures que a  Annie era o seu  futuro. 

Outra vítima do Carlos Parreira.

       - A Diana já não me aguenta, Pedro. Ás vezes nem eu me aguento a mim próprio. - diz enquanto encho os copos de um Convento do Carmo – Chama-me cobarde por virar as costas à vida.

À vida e à ilustre casa dos Choats repleta de histórias épicas e carradas de sucesso. Calculo a exasperação da minha sogra. No Olimpo os deuses não podem ser depressivos.

        - Não julgues com demasiada rispidez a Diana – o Edward sempre foi muito bom a interpretar o que vai na minha mente – Talvez ela tenha razão, Pedro. Talvez esteja a ser um pouco cobarde. Mas sabes uma coisa? Estou-me nas tintas.Para todos eles. Vivo de recordações. Ou melhor, vivo para as recordações. O resto já deixou de me interessar. Realmente nunca interessou verdadeiramente. 

Depois de um momento de silencio disse-me que não me via por Boston.

        - Tens visitado a Annie?

Todos os dias querido Edward. Todos os dias. No entanto sabia que referia-se ao magnífico sarcófago que construiram na tumba dos Choats nos claustros da Catedral de Boston.

        - Ela vive em mim, Edward – respondi suavemente enquanto tomava nota para ir a Boston de vez em quando visitar a tumba dos Choats.

Deu ideia de ter ficado satisfeito com a resposta e mudou de assunto. 

        - Da próxima vez vou ver a pousada atrás da duna mãe – era assim que a Annie chamava à duna onde contemplávamos o pôr do sol e tantas vezes fizemos amor à luz das estrelas.

Colocou o velho Stetson na cabeça e agarrou no sobretudo. Tinha de se apressar ou perdia o último barco para Boston. Olho para este homem derrotado pela vida e dou-lhe um forte abraço. Estamos unidos por um laço mais forte que a vida e ao ver o ar desamparado do meu sogro proferi uma jura silenciosa; tinha chegado a hora de o ajudar. De retribuir tudo o que fez por mim. Irei acolhê-lo durante os anos que ainda lhe restam, acolhê-lo quando o alzheimer varrer as suas memórias, ampará-lo na velhice e ambos celebrarmos as memorias da nossa Annie.







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