quinta-feira, 28 de maio de 2015

annie choat








Caros Amigos,



UM QUASE CONTO POUCO EDIFICANTE:

BRUTTI, SPORCHI E CATTIVI


Aqueles dois nunca se entenderam em nada. Se um diz branco, o logo outro grita  que é preto.  Por isso não é de estranhar que o filho tenha saído problemático.

A mãe, fartinha de aturar o puto, está em pulgas para o despejar numa família de acolhimento. E vai ser  logo na primeira que lhe apareça. Longe vão os tempos em que tinha algum pudor na escolha.

Uma grossa  lágrima muito fingida escorre-lhe pelo desgostoso rosto enquanto esconde com dificuldade a satisfação de conseguir fazer um teatro tão perfeito.  

Soluça, a sofrida mulher.

É pelo bem do meu filho que faço tudo  isto, chora inconsolável. Só numa família de acolhimento ele poderá crescer forte e singrar na vida.

E conclui num sofrido lamento: amor de mãe…

O pai, escandalizado, acha que o pestinha deve ficar apenas algumas  horas na tal família. O  controle do nosso filho tem de ficar na família, grita indignado a quem o queira ouvir. Até posso concordar que uma família de acolhimento tome conta dele. Mas há que pôr limites; no mínimo, ficamos com 51% do nosso rapaz !!

E vai ameaçando a mãe com  mil e uma acções judiciais se a ingrata continuar nesta apressada campanha de contornos tão pouco claros.

Secretamente a mãe adorava impingir o puto ao pai;  era da maneira que esta  conversa da treta se acabava em dois tempos. O gajo mais parece um politico, resmunga, fervendo em lume brando.  

Lembra-se muito bem da  reacção do marialva quando teve de gramar com  a custódia do puto. Nessa altura, não fora ela, e este  malandro tinha atirado com o puto para uma instituição de caridade.  E agora dá-lhe para amnésia, pensa ressentida.  O morconso já se esqueceu do calvário que foi ter de aturar o cabrão do puto.

O filho anda tristonho.

Sabe que agora nem a Senhora do Loreto o salvará da família de acolhimento.

Meditabundo, vai enrolando um charro enquanto pensa na boa vida que está prestes a terminar.

Ai as saudades que já sente dos bons velhos tempos!

Nesses belos tempos,  por mais que fizesse, esperneasse ou gritasse, a história era sempre a mesma. E que doce história era essa! Claro que a mãe e o pai envolviam-se em intermináveis discussões mas, e isto é a única coisa que importa ao puto,  o dinheirinho pingava nos seus bolsos com admirável regularidade.

Um dia até chegou a convencer-se que o dinheiro vinha de um poço sem fundo.

Ainda berrava pelo rombo de trinta milhões quando percebeu que desta vez ia mesmo parar à família de acolhimento.

Desde então deu nisto; anda murcho, metido consigo mesmo e com maus fígados.

Medita nos tempos que aí veem enquanto olha de semblante carregado para o charro meio fumado.   Com sorte, a tal família de acolhimento até se interessará por ele. Mas não tem ilusões; se não quer ir parar à sargeta, terá de mudar de hábitos.

Sorumbático, puxa outra longa passa. Olha desconsolado para o charro. Nem este me alegra, caraças!

Pensa na vida e acha-a demasiado pesada.

Depressivo começa a enrolar outro charro enquanto sente uma imensa pena de si.








Hoje adicionei um excerto sobre a Annie Choat ao site do livro ( www.correiodearc.wix.com/terra  ), ao blog (http://terraleve.blogspot.pt/ ) e ao facebook  (www.facebook.com/terraleve).  




O espírito  da minha querida Annie está bem presente em todo o livro. Do primeiro ao último capítulo. 

(acreditam que me apaixonei por ela?)  

Foi um trabalho delicado tentar (terei conseguido?) dar uma imagem de alegria, confiança e positivismo através de um olhar nostálgico, dorido e em constante sofrimento.  Eu sei, eu sei... dito desta forma fica algo confuso… Reparem, a Annie chega-nos unicamente pelas  memórias do Pedro Lage, que tenta seguir em frente alimentando-se da vingança pela morte da mulher. 

É pois através de uma lente amarga (depressiva e revoltada mas,  ao mesmo tempo, saudosa, terna e carente ) que conhecemos a Annie, uma mulher de grandes paixões, empenhada, alegre e cheia de vida. 

O último momento da Annie nesta vida foi eternizado  numa fotografia: ela olha para o Pedro com um enorme sorriso com a Giralda ao fundo. Estava feliz e a transbordar de amor, numas férias em Sevilha. 

Conciliar esta disparidade de sentimentos foi o maior desafio que enfrentei ao tentar dar-vos a conhecer um dos personagens mais vibrantes e cheios de vida que imaginei (não deixa de ser irónica esta contradição…).  

Terminado o livro é à Annie que as minhas recordações regressaram. Por vezes sou tentado escrever algo mais sobre ela. Por vezes penso em alterar toda a história só para a  trazer de volta  à vida. Mas não, acho que a Annie está feliz assim, numa fotografia com a Giralda ao fundo, a olhar cheia de confiança e felicidade para nós.




Na minha mente  a Annie surge ao lado de palavras como alegria, confiança e mar.  E muita luz, também.  Então meti mãos à obra e procurei um rosto bonito que transmitisse esta dimensão de luminosidade. Curiosamente foi  fácil encontrar um rosto assim.









Queria uma música romântica para a Annie. O mais delicodoce que pudesse encontrar. Puro mel. Infelizmente as candidatas não tinham a frescura, harmonia  e luminosidade  que combinasse com o rosto dela. 

Então o tempo foi passando e eu encalhado na escolha. Tive de me socorrer de amigos e “bati a várias portas” perguntando se conheciam alguma música muito romântica e ao mesmo tempo alegre (omiti a palavra “fresco” para não cair no ridículo). Nada me satisfazia.  

Por fim,  falei com a Catia Palha que me disse logo: a Lucky de Jason Mraz. É romântica, alegre e até fresca, rematou a Catia! Há aqui uma certa justiça poética pois logo no início da escrita  aproveitei-me de alguns traços de personalidade da Cátia para criar a minha Annie Choat.

Pois é, miúda, também acho. A música que sugeriste é mesmo a cara da minha Annie. Obrigado pela dica. Fico a dever-te um lanche. Prometo que na próxima reunião IATA de slots que fores, eu pago-te  não um, mas três lanches (e outros tantos pequenos almoços). 

É de amigo, certo? 

Vejam a música e o video logo após o texto.








Podem consultar a página da Annie Choat  em: http://correiodearc.wix.com/terra#!__annie  




Escrevo algo que não me canso de sublinhar: utilizem umas boas colunas ou uns auscultadores. Há imensa música no site e, francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é francamente mau (horrível, mesmo).




Caso gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos vossos amigos. É a única forma de um desconhecido autor chegar a um público mais vasto. Os endereços são: www.facebook.com/terraleve   ou http://terraleve.blogspot.pt/.


E pronto, amigos.  Em breve estarei aqui para vos falar sobre a Teresa Belo.



















Capítulo 07
UM ANO PARA O FIM
LISBOA
PEDRO LAGE
Sábado, 12/Dez/2015, 23:00

Ontem, no café do Sr. António, um desconsolado miúdo gemeu alto e bom som a sua desgraça. Foi uma paixão eterna a dele, acesa nas labaredas do calor de verão, descolorida na paz outonal e finada com o frio de inverno. Chorava sem pudor a sua desdita e lamentava-se em voz alta das memórias que atormentavam o seu triste viver. Esquece essa gaja, responde o amigo igualmente em voz alta. Varre-a para o caixote do lixo da memória . Este era o ânimo que o amigo, solidário com tamanha dor, lhe dava entre dois goles de cerveja. Para vincar o seu ponto de vista pincelava em tons muito negros a personalidade da ingrata.

Seguro na fotografia de Annie e maravilho-me uma vez mais com o lindo sorriso que me oferece com a Giralda lá ao fundo. Recordando o inconsolável Romeu no café do Sr. António, penso como as coisas foram tão diferentes entre nós. Olho para o relógio e vejo que ainda tenho tempo para me perder em recordações. O velho piano da Tasca da Cerveja pode esperar um pouco, e estou certo que o Chopin não se importará muito se chegar um pouco atrasado. Talvez hoje o meu primo Miguel apareça por lá.

A princípio eu e a Annie dificilmente conseguíamos compatibilizar os horários. A condição de interno em neurocirurgia sugava a minha vida como um poço negro e o tempo disponível para nós era uma raridade. De quando em vez, como por milagre, conseguíamos usufruir da companhia um do outro. 

O início de Outubro em Boston é mágico. Adorávamos passear pelo parque central, aqui simplesmente chamado parque público. Muito mais pequeno que o seu primo de Nova Yorque, o jardim de Boston era, para nós, muito mais bonito. Gostávamos de sentar num banco mesmo por baixo de um frondoso salgueiro enquanto olhávamos os turistas caminhando de máquinas em punho, passeando pela ponte Jamaica. A Annie tinha uma predileção especial pelos barquitos repletos de ruidosas crianças, engalanados com bustos de elegantes cisnes. Ela apenas referia a graciosidade dos cisnes de madeira mas sabia bem que o seu coração enternecia-se com a excitação das crianças dentro dos barquitos. 

O fantástico colorido das frondosas árvores elevava o nosso espírito e, não raras vezes, o beijo explodia intenso como dois arrebatados adolescentes. E sim, nesse beijo não havia amanhã, tal era o nosso abandono. Um dia quase jurei que o George Washington me piscou o olho do cimo do seu cavalo. Normalmente terminávamos a manhã na parte norte do jardim, num ícone da cidade. O hamburgers do Cheers até nem são maus de todo. Mas é o ambiente e as reminiscências da série televisiva que nos faziam rumar na direção da Beacon.

Nesse dia a Annie queria fazer dieta e o Cheers não era um bom lugar para se estar. Depois de uma longa corrida até Bunker Hill, estávamos agora sentados a ver o manso Charles acolher esforçadas regatas, enquanto os nossos corações recuperavam da corrida. Foi nesta altura que a Annie falou da caminhada. Estava um esplendoroso dia e o intenso azul recordava a minha Lisboa.

- A vida é como uma caminhada, sabes? - diz pensativa, enquanto toma minha mão entre as suas – Uma caminhada da qual sabemos muito pouco. Não sabemos para onde vamos, o que nos espera, nem quanto tempo nos resta até ao grande final. Apenas sabemos que não podemos parar.

A minha Annie sempre gostou de verbalizar os seus pensamentos.

Quero partilhar tudo contigo, disse-me um dia. Até os meus pensamentos mais íntimos. Dizia que a união é essencialmente uma partilha. Para além de partilhar o corpo, fazia questão que soubesse os seus pensamentos mais profundos. Só assim eu serei realmente tua e tu realmente meu, disse-me nessa altura.

- Sinto falta de estar mais tempo contigo, de viajarmos os dois. 

Aninha-se nos meus braços e ficamos a ver um solitário ganso, vindo dos lados da Longfellow, sobrevoar o museu da ciência e continuar para norte. Inclina-se para mim e procura os meus lábios.

Esta foi a primeira vez que falou na morte.

- Se um dia morrer - dissera-me enquanto acariciava o meu rosto - de onde estiver, quero que saibas que estarei sempre a teu lado.

Depois deu-me outro beijo, este mais intenso.

- E desejo que encontres a felicidade junto de outra pessoa. Quero que sejas feliz - faz uma pausa a alinhar as ideias e conclui - porque só assim, meu querido, estando eu onde estiver, poderei ser feliz também.







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