quinta-feira, 25 de junho de 2015

Puto Zé








UM QUASE CONTO POUCO EDIFICANTE:


O ÊXTASE DO ESTAGIÁRIO

O estagiário olha extasiado para o enorme palco atulhado em flores e alta tecnologia. A adrenalina é tanta que apesar de ontem ter passado a noite em claro, não sente o mínimo cansaço.

Não obstante uma boa parte dos diapositivos a apresentar nesta magna conferencia serem da sua autoria, o estagiário teve apenas direito a um modesto lugar na quinta fila. À sua frente sentam-se as estrelas dos vários campos da ciência. Professores, tutores e proeminentes gurus da física quântica, aeroespacial, robótica  e inteligência artificial, vão-se acomodando nas filas da frente,  em cordial confraternização com membros do governo, diretores gerais e carismáticas figuras públicas.

No palco, o gordo Robb e outros estagiários vão arrastando com visível esforço uma enorme gaiola. Lá dentro está uma ave de exótica plumagem, comprido pescoço e exuberante busto. Quem olha para  este pássaro acha-o deselegante, apesar de belo. Para o tamanho, o volumoso buço, as asas demasiadamente pequenas, a fantástica poupa e a imensa cauda, dá-lhe um aspeto francamente desproporcionado.

Toda a gente sabe que um bicho assim, quanto muito consegue voar como uma galinha.

O que esta conferencia pretende demonstrar são os fundamentos científicos da ave do paraíso nunca poder voar como um falcão.

Foi este o repto que o MIT lançou há coisa de um ano atrás à comunidade científica. As principais agências aeroespaciais abraçaram com entusiasmo este desafio e o estagiário, juntamente com outros promissores jovens cérebros, trabalharam que nem cães quase até à exaustão, supervisionados por uma legião de sonantes orientadores científicos.

As estrelas do firmamento científico, apesar de aparecerem muito de vez em quando junto dos estagiários, foram surpreendentemente  ágeis em garantir que os seus nomes figurassem nas primeiras folhas das resmas dos estudos efectuados.

Enfim, a vida é como é, um eminente filósofo disse que slot não é problema e outro, muito menos conhecido e que se dedica à escrita nas horas vagas, acrescentou que a vida não é nada fácil. Assim não é sem admiração que vemos o nosso ansioso estagiário ser remetido para uma discreta quinta fila.

E o trabalho foi imenso e duro nestes quatro últimos meses. Se o passaralho tivesse algum resquício de alma,  também esta teria sido dissecada  com o mesmo rigor, a mesma rígida minúcia e a científica objetividade com que analisaram a paupérrima ergonomia do animal. Gráficos, intermináveis equações, projeções e virtualizações com muitos D's, catapultaram a exótica galinhola para as primeiras capas das revistas da especialidade.  

Agora, o decano da prestigiada universidade prepara-se para agraciar a sobrelotada sala com pérolas do método científico. Perante um batalhão de jornalistas, cientistas, industriais e entediados atores e desportistas, o distinto decano irá iluminar o mundo com as objetivas justificações da desengonçada ave não poder voar. Momentos antes uma irrepreensível orquestra sinfoniou hinos ao triunfo da ciência moderna, para grande prazer de Mozart, Haydn, Beethoven  e  algum público presente no magnífico anfiteatro. A restante malta fez cara de entendido na matéria, ar de profundo apreciador mas ia deitando discretas olhadas aos relógios enquanto calavam bocejos reveladores.

Um tenso burburinho fez-se sentir na plateia  quando o gorducho Robb retirou a gaiola e a desproporcionada ave, agora liberta, se mexeu desengonçadamente no poleiro. Olhou pisca para a assistência, abriu nervosa as curtas asitas, espetou a longa cauda e encheu o protuberante peito como se fosse um pavão.

E piou.

O roufenho som produzido pela ave  foi o anticlímax que provocou algumas gargalhadas no magnífico salão e multiplicou conversas, sussurros e sons de telemóvel.

Todo este ruido provocou um  nítido desconforto na deselegante galinhola que pareceu olhar tão ilustre assistência com um certo acanhamento. Talvez vergonha.  

Um cientista mais imaginativo chegou a jurar que o bicharoco pedia humildemente desculpa pela sua condição de ave rastejante.

Sem dúvida, uma vergonha para a classe das aves.

Incomodada com o barulho, agora liberta da enorme gaiola, talvez esta exótica coisa quisesse voar. Acontece que a condição de galinha gorda e mal feita impediu-a de tamanho intento logo após a segunda tentativa feita com muito pouca convicção.

Por isso o bicharoco aquietou-se no poleiro, abriu longamente o bico como se fosse um bocejo, fechou os olhos  e pareceu dormitar.

E o decano reitor mergulhou numa inspirada locução, resumindo as científicas conclusões de muitos notáveis que se perfilavam nas primeiras filas, rapinadas ao árduo trabalho da legião de brilhantes estagiários.

Na quinta fila, logo atrás de tão ilustres personagens, o estagiário quase rebenta de orgulho aos ver os seus intrincados quadros serem exibidos para tão distinta assistência.

Sem dúvida que este é um momento para ser recordado, suspirado e louvado por muitos anos. Um triunfo para  ser contado junto dos seus netos e, se Deus e os futuros filhos trabalharem com celeridade,  bisnetos.

Os prodigiosos gráficos, equações e projecções,  voam agora  alegremente numa orgia a três dimensões sob a rígida batuta do decano reitor, maravilhando tão eclética assistência.

Faz-se história neste magno salão, que tantas maravilhas cientificas deu a conhecer à humanidade.

E quando o respeitado cientista proferiu as últimas palavras, quando por fim deu como cientificamente provado que era impossível a desengonçada ave voar como um pássaro que se prezasse,  o enorme salão ribombou ao som de sentidos aplausos e vibrantes vivas.

Talvez assustada com tamanha barulheira, a ave acordou, abriu as asitas e elevou-se sobre a assistência num elegante voo.

Deu duas voltas ao enorme recinto e descobrindo uma janela, voou como um falcão em direção ao glorioso céu azul.








Caros Amigos,

Hoje adicionei um excerto sobre o Puto Zé ao site do livro ( www.correiodearc.wix.com/terra  ), 

ao blog (http://terraleve.blogspot.pt/ ) e 

ao facebook  (www.facebook.com/terraleve).  

Facilmente  se pode imaginar este personagem eternamente jovem apesar da sua idade, bastante imaturo e que foge da responsabilidade como o diabo da cruz. 

O Puto Zé é um bacano, altamente curtido e normalmente a estrela das festas em que entra. Para ele a vida é uma curtição permanente  e as relações que vai construindo (e com a mesma velocidade com que as desfaz) são pura diversão para ele. O Puto Zé  passa pela vida com a graciosidade de um bailarino sobre o palco e o seu contagiante humor é um farol que atrai corações solitários. A sua vida não tem amarras nem porto seguro; as paixões, numerosas, tem tanto de intensas como de efémeras. Quanto ao sofrimento, esse é sempre passageiro.

Na busca do Google procurei por bons malandros e fiquei logo com uma mão cheia de candidatos.  Fiquei muito satisfeito com a escolha. Esta cara não engana ninguém; é o Puto Zé sem tirar nem pôr.








A música não é das mais inspiradas que encontrei. Dito de outra forma:  sempre tive um “carinho” especial pelo Billy Joel e “My Life” é uma das minhas preferidas. Por aqui estamos conversados. A música é excepcional mas  continuo a achar que não retrata bem o Puto Zé. Ok, tem alegria e vigor quanto baste mas… como direi… é demasiado “certinha” para o Puto Zé.  Vocês entendem, certo? O homem consegue ser mais alegre, mais “puto” e  muito mais maluco que esta música. Ouçam e vejam o video logo após o texto.

Podem consultar a página do Puto Zé  em:
http://correiodearc.wix.com/terra#!__puto-ze

Escrevo algo que não me canso de repetir: utilizem umas boas colunas ou uns auscultadores. Há imensa música no site e, francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é  mau (horrível, mesmo).

Caso gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos vossos amigos. É a única forma de um desconhecido autor chegar a um público mais vasto. Os endereços são: www.facebook.com/terraleve   ou http://terraleve.blogspot.pt/.
E pronto, amigos.  Em breve estarei aqui para vos falar sobre o Kiese. 




















Capítulo 03
UM ANO PARA O FIM
ANSELMO MUNGUAMBE
LUANDA
Quinta feira, 10/Dez/2015, 10:00

Pelo canto do olho Anselmo vê o olhar de nojo que o Chipenda lhe deita. Pensa na casa a precisar de obras urgentes, nas paredes negras de bolor, no lixo que se vai acumulando um pouco por todo o lado apesar dos esforços da Luena. Fica na dúvida se o nojo do Chipenda é por causa da casa ou de si próprio

José. Mais conhecido por Puto Zé.

Desde o início soube que aquela relação iria ter um final parecido com este. Principalmente quando se deixou apaixonar por ele. Ninguém se deve apaixonar por um homem conhecido por Puto Zé. Um Puto Zé que passa pela vida como uma anedota. Um Puto Zé que é um brinquedo para usar e deitar fora.

Um dia teve a imprudência de amar esse brinquedo. Encontrar-lhe outra finalidade. Um sentido na vida para além do ocasional prazer. Solta uma amarga gargalhada enquanto a água escorre em mil riachos pelo seu negro corpo. Sorri, amargo, pensando na sua sorte.

Da vida viu mais do que queria mas não o suficiente. Senão, como foi possível apaixonar-se por um homem conhecido por Puto? Um dia, recordou com o coração num soluço, um dia sentiu que podia construir algo de permanente com o Puto Zé. É bem certo que não tinha ilusões de construir uma vida a dois. Ter uma vida como o Chipenda e a mulher, por exemplo. Uma vida pública, respeitada, admirada, talvez invejada. A revolução foi só política, pensa. O homossexual continua a ser escorraçado para as sombras, para as franjas. Apenas tolerado enquanto dissimulado e publicamente negado como qualquer aberração. Um marginal da sociedade..

Apesar de tudo, sonhou uma espécie de vida em conjunto.

Dos encontros fortuitos para os lados do Cassenda até à sua casa, ao seu quarto, onde as noites ficaram mais quentes que o sol de verão. Quero ser o teu anjinho de estimação, disse-lhe um dia o Zé, aninhando-se nos seus braços, os corpos transpirados de um sexo delicioso e os corações ainda desenfreados. E assim foi. Todas as noites, todos os dias.

Até que há três meses bateu as asas para um Hans qualquer coisa. O alemão é correspondente num jornal impronunciável e com os bolsos cheios de notas verdes.

Subitamente toma consciência que o brinquedo era ele. O detetive durão. O tipo calejado pela vida, que já viu demais dela. Demais? Solta uma amarga gargalhada. De menos. Quão de menos sabe ele da vida...


Ele, ele é que foi o brinquedo do Puto Zé. Esse homem, eternamente criança, que passa pela vida com uma permanente gargalhada, era afinal o caçador.






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