UM QUASE CONTO POUCO EDIFICANTE:
O
ÊXTASE DO ESTAGIÁRIO
O estagiário olha extasiado para o enorme
palco atulhado em flores e alta tecnologia. A adrenalina é tanta que apesar de
ontem ter passado a noite em claro, não sente o mínimo cansaço.
Não obstante uma boa parte dos diapositivos a
apresentar nesta magna conferencia serem da sua autoria, o estagiário teve
apenas direito a um modesto lugar na quinta fila. À sua frente sentam-se as
estrelas dos vários campos da ciência. Professores, tutores e proeminentes
gurus da física quântica, aeroespacial, robótica e inteligência artificial, vão-se acomodando
nas filas da frente, em cordial
confraternização com membros do governo, diretores gerais e carismáticas
figuras públicas.
No palco, o gordo Robb e outros estagiários
vão arrastando com visível esforço uma enorme gaiola. Lá dentro está uma ave de
exótica plumagem, comprido pescoço e exuberante busto. Quem olha para este pássaro acha-o deselegante, apesar de
belo. Para o tamanho, o volumoso buço, as asas demasiadamente pequenas, a fantástica
poupa e a imensa cauda, dá-lhe um aspeto francamente desproporcionado.
Toda a gente sabe que um bicho assim, quanto
muito consegue voar como uma galinha.
O que esta conferencia pretende demonstrar
são os fundamentos científicos da ave do paraíso nunca poder voar como um
falcão.
Foi este o repto que o MIT lançou há coisa de
um ano atrás à comunidade científica. As principais agências aeroespaciais
abraçaram com entusiasmo este desafio e o estagiário, juntamente com outros
promissores jovens cérebros, trabalharam que nem cães quase até à exaustão,
supervisionados por uma legião de sonantes orientadores científicos.
As estrelas do firmamento científico, apesar
de aparecerem muito de vez em quando junto dos estagiários, foram
surpreendentemente ágeis em garantir que
os seus nomes figurassem nas primeiras folhas das resmas dos estudos
efectuados.
Enfim, a vida é como é, um eminente filósofo
disse que slot não é problema e outro, muito menos conhecido e que se dedica à
escrita nas horas vagas, acrescentou que a vida não é nada fácil. Assim não é
sem admiração que vemos o nosso ansioso estagiário ser remetido para uma
discreta quinta fila.
E o trabalho foi imenso e duro nestes quatro
últimos meses. Se o passaralho tivesse algum resquício de alma, também esta teria sido dissecada com o mesmo rigor, a mesma rígida minúcia e a
científica objetividade com que analisaram a paupérrima ergonomia do animal.
Gráficos, intermináveis equações, projeções e virtualizações com muitos D's,
catapultaram a exótica galinhola para as primeiras capas das revistas da
especialidade.
Agora, o decano da prestigiada universidade prepara-se
para agraciar a sobrelotada sala com pérolas do método científico. Perante um
batalhão de jornalistas, cientistas, industriais e entediados atores e
desportistas, o distinto decano irá iluminar o mundo com as objetivas
justificações da desengonçada ave não poder voar. Momentos antes uma irrepreensível
orquestra sinfoniou hinos ao triunfo da ciência moderna, para grande
prazer de Mozart, Haydn, Beethoven e algum público presente no magnífico anfiteatro. A restante malta fez cara de
entendido na matéria, ar de profundo apreciador mas ia deitando discretas olhadas
aos relógios enquanto calavam bocejos reveladores.
Um tenso burburinho fez-se sentir na
plateia quando o gorducho Robb retirou a
gaiola e a desproporcionada ave, agora liberta, se mexeu desengonçadamente no
poleiro. Olhou pisca para a assistência, abriu nervosa as curtas asitas,
espetou a longa cauda e encheu o protuberante peito como se fosse um pavão.
E piou.
O roufenho som produzido pela ave foi o anticlímax que provocou algumas
gargalhadas no magnífico salão e multiplicou conversas, sussurros e sons de
telemóvel.
Todo este ruido provocou um nítido desconforto na deselegante galinhola
que pareceu olhar tão ilustre assistência com um certo acanhamento. Talvez
vergonha.
Um cientista mais imaginativo chegou a jurar
que o bicharoco pedia humildemente desculpa pela sua condição de ave
rastejante.
Sem dúvida, uma vergonha para a classe das
aves.
Incomodada com o barulho, agora liberta da
enorme gaiola, talvez esta exótica coisa quisesse voar. Acontece que a condição
de galinha gorda e mal feita impediu-a de tamanho intento logo após a segunda
tentativa feita com muito pouca convicção.
Por isso o bicharoco aquietou-se no poleiro,
abriu longamente o bico como se fosse um bocejo, fechou os olhos e pareceu dormitar.
E o decano reitor mergulhou numa inspirada
locução, resumindo as científicas conclusões de muitos notáveis que se
perfilavam nas primeiras filas, rapinadas ao árduo trabalho da legião de
brilhantes estagiários.
Na quinta fila, logo atrás de tão ilustres
personagens, o estagiário quase rebenta de orgulho aos ver os seus intrincados
quadros serem exibidos para tão distinta assistência.
Sem dúvida que este é um momento para ser
recordado, suspirado e louvado por muitos anos. Um triunfo para ser contado junto dos seus netos e, se Deus e
os futuros filhos trabalharem com celeridade,
bisnetos.
Os prodigiosos gráficos, equações e projecções, voam agora
alegremente numa orgia a três dimensões sob a rígida batuta do decano
reitor, maravilhando tão eclética assistência.
Faz-se história neste magno salão, que tantas
maravilhas cientificas deu a conhecer à humanidade.
E quando o respeitado cientista proferiu as
últimas palavras, quando por fim deu como cientificamente provado que era
impossível a desengonçada ave voar como um pássaro que se prezasse, o enorme salão ribombou ao som de sentidos
aplausos e vibrantes vivas.
Talvez assustada com tamanha barulheira, a
ave acordou, abriu as asitas e elevou-se sobre a assistência num elegante voo.
Deu duas voltas ao enorme recinto e
descobrindo uma janela, voou como um falcão em direção ao glorioso céu azul.
Caros Amigos,
Hoje adicionei um excerto sobre o Puto Zé ao site do livro ( www.correiodearc.wix.com/terra ),
ao blog (http://terraleve.blogspot.pt/ ) e
ao facebook (www.facebook.com/terraleve).
ao blog (http://terraleve.blogspot.pt/ ) e
ao facebook (www.facebook.com/terraleve).
Facilmente se pode imaginar
este personagem eternamente jovem apesar da sua idade, bastante imaturo e que
foge da responsabilidade como o diabo da cruz.
O Puto Zé é um bacano, altamente curtido e normalmente a estrela das festas em que entra. Para ele a vida é uma curtição permanente e as relações que vai construindo (e com a mesma velocidade com que as desfaz) são pura diversão para ele. O Puto Zé passa pela vida com a graciosidade de um bailarino sobre o palco e o seu contagiante humor é um farol que atrai corações solitários. A sua vida não tem amarras nem porto seguro; as paixões, numerosas, tem tanto de intensas como de efémeras. Quanto ao sofrimento, esse é sempre passageiro.
O Puto Zé é um bacano, altamente curtido e normalmente a estrela das festas em que entra. Para ele a vida é uma curtição permanente e as relações que vai construindo (e com a mesma velocidade com que as desfaz) são pura diversão para ele. O Puto Zé passa pela vida com a graciosidade de um bailarino sobre o palco e o seu contagiante humor é um farol que atrai corações solitários. A sua vida não tem amarras nem porto seguro; as paixões, numerosas, tem tanto de intensas como de efémeras. Quanto ao sofrimento, esse é sempre passageiro.
Na busca do Google procurei por bons malandros e fiquei logo com
uma mão cheia de candidatos. Fiquei
muito satisfeito com a escolha. Esta cara não engana ninguém; é o Puto Zé sem
tirar nem pôr.
A música não é das mais inspiradas que encontrei. Dito de outra
forma: sempre tive um “carinho” especial
pelo Billy Joel e “My Life” é uma das minhas preferidas. Por aqui estamos
conversados. A música é excepcional mas
continuo a achar que não retrata bem o Puto Zé. Ok, tem alegria e vigor
quanto baste mas… como direi… é demasiado “certinha” para o Puto Zé. Vocês entendem, certo? O homem consegue ser
mais alegre, mais “puto” e muito mais
maluco que esta música. Ouçam e vejam o video logo após o texto.
Podem consultar a página do Puto Zé em:
http://correiodearc.wix.com/terra#!__puto-ze
http://correiodearc.wix.com/terra#!__puto-ze
Escrevo algo que não me canso de repetir: utilizem umas boas colunas ou uns auscultadores.
Há imensa música no site e, francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é mau (horrível, mesmo).
Caso
gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos vossos amigos. É a
única forma de um desconhecido autor chegar a um público mais vasto. Os
endereços são: www.facebook.com/terraleve ou http://terraleve.blogspot.pt/.
E pronto, amigos. Em breve
estarei aqui para vos falar sobre o Kiese.
Capítulo 03
UM ANO PARA O FIM
ANSELMO MUNGUAMBE
LUANDA
Quinta feira, 10/Dez/2015, 10:00
Pelo canto do olho Anselmo vê o olhar
de nojo que o Chipenda lhe deita. Pensa na casa a precisar de obras
urgentes, nas paredes negras de bolor, no lixo que se vai acumulando
um pouco por todo o lado apesar dos esforços da Luena. Fica na
dúvida se o nojo do Chipenda é por causa da casa ou de si próprio
José. Mais conhecido por Puto Zé.
Desde o início soube que aquela
relação iria ter um final parecido com este. Principalmente quando
se deixou apaixonar por ele. Ninguém se deve apaixonar por um homem
conhecido por Puto Zé. Um Puto Zé que passa pela vida como uma
anedota. Um Puto Zé que é um brinquedo para usar e deitar fora.
Um dia teve a imprudência de amar esse
brinquedo. Encontrar-lhe outra finalidade. Um sentido na vida para
além do ocasional prazer. Solta uma amarga gargalhada enquanto a
água escorre em mil riachos pelo seu negro corpo. Sorri, amargo,
pensando na sua sorte.
Da vida viu mais do que queria mas não
o suficiente. Senão, como foi possível apaixonar-se por um homem
conhecido por Puto? Um dia, recordou com o coração num soluço, um
dia sentiu que podia construir algo de permanente com o Puto Zé. É
bem certo que não tinha ilusões de construir uma vida a dois. Ter
uma vida como o Chipenda e a mulher, por exemplo. Uma vida pública,
respeitada, admirada, talvez invejada. A revolução foi só
política, pensa. O homossexual continua a ser escorraçado para as
sombras, para as franjas. Apenas tolerado enquanto dissimulado e
publicamente negado como qualquer aberração. Um marginal da
sociedade..
Apesar de tudo, sonhou uma espécie de
vida em conjunto.
Dos encontros fortuitos para os lados
do Cassenda até à sua casa, ao seu quarto, onde as noites ficaram
mais quentes que o sol de verão. Quero ser o teu anjinho de
estimação, disse-lhe um dia o Zé, aninhando-se nos seus braços,
os corpos transpirados de um sexo delicioso e os corações ainda
desenfreados. E assim foi. Todas as noites, todos os dias.
Até que há três meses bateu as asas
para um Hans qualquer coisa. O alemão é correspondente num jornal
impronunciável e com os bolsos cheios de notas verdes.
Subitamente toma consciência que o
brinquedo era ele. O detetive durão. O tipo calejado pela vida, que
já viu demais dela. Demais? Solta uma amarga gargalhada. De menos.
Quão de menos sabe ele da vida...
Ele, ele é que foi o brinquedo do Puto
Zé. Esse homem, eternamente criança, que passa pela vida com uma
permanente gargalhada, era afinal o caçador.
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