Caros Amigos,
Caros Amigos,
UM QUASE CONTO POUCO
EDIFICANTE:
As 50 sombras do Silva
O Silva estava quase a ir ás lágrimas quando soube que o Sombra
quer falar com ele. Sou o raio
de um simples contabilista e não uma máquina de fazer milagres, resmunga
com os seus botões enquanto se prepara para o que aí vem.
-
Silva, meu caro,
diga-me só isto: por acaso acha que alguém me vai comprar a padaria se vir esta miséria de números?
O Silva olha desconsolado para o orçamento do próximo ano que
preparou com tanta arte. Nalguns casos, para secreta satisfação do Silva, teve
a ousadia de ir um pouco além da arte; foi mais artifício.
Agora só lhe apetece dizer que aquele desastroso verão do ano
passado não foi culpa sua. Porém, olhando para a cara furibunda do Sombra, acha
prudente ficar calado.
-
Até eu sei que a
porcaria destes números tem de estar no verde, com fatinho vestido de ver a
Deus, felizes, contentes e a sorrir para o comprador como prostitutas à espera
do primeiro cliente da noite! Quero números que transpirem confiança, Silva! Confiança e
sucesso! Tire-me esta cambada mal amanhada, depressiva e chorona. Esta coisa
cheira mal, Silva! Com números destes, mais vale fechar já a chafarica.
-
Mas eu já cortei
onde podia cortar, Sombra...
E é bem verdade o que o Silva diz. Cortou vinte porcento na farinha o que tornou os
papo secos em verdadeiros pães de água.
Também se reduziu na água.
Cortou radicalmente no sal (olhe o
coração, Silva! Ainda muitos fregueses nos irão agradecer ter-lhes salvo a
vida!).
A etetricidade apanhou um corte de 40% e durante noite a padaria
passa a laborar à meia luz (para criar um
ambiente intimista, Silva!).
Os padeiros mais experientes deram de frosques ao anteciparem o
desastre anunciado ( veja os putos licenciados que agora metemos, Silva. Foram
quase à borla, e um deles até tem uma pós graduação numa treta qualquer!).
Só as gajas do balcão, essas putas, é que deram em fazer greve.
O Sombra nutre um ódio de estimação para com estas loucas
alucinadas. A padaria quase a fechar e as gajas vai de fazer greve por tudo e
por nada!
Ao Silva parece um milagre a padaria do Sombra conseguir vender um
pão que seja quando, mesmo ao lado, as duas padarias low cost florescem
vistosas.
-
Se não consegue
reduzir os custos, então aumente as receitas. É básico, Silva. Uma coisa
básica. Aumente um euro por papo seco e vai ver que os números ficam logo
felizes.
-
Mas...
Mais por temor que respeito, o Silva cala o que lhe vai na alma.
Aumentar o preço daquela triste mistela aguada a que o Sombra
chama pão?
-
Silva, vamos ver
se nos entendemos de uma vez por todas – a pouca paciência do Sombra esfuma-se
rapidamente como ténue neblina matinal - eu acho que contratei um contabilista
e não uma máquina de fazer problemas.
O Silva acena respeitosamente procurando um buraquinho no chão
para se escapulir.
-
Se acha que um
euro é muito, aumente qualquer coisa que se veja. Olhe, compense na produção.
Aumente a produção mas mantenha os custos que havemos de cortar um pouco mais
no farelo. E se isto não chegar, abata uma das máquinas. Está a ver, Silva? Ora
aqui está uma boa ideia: vendemos uma máquina e ainda diminuimos os leasings.
Mas aumente a produção, caraças! Bolas, Silva, o contabilista é você! Aumente a produção e o preço, caraças!
-
Mas...
-
Silva, Silva! -
agora o tom do Sombra é paternalista – não me diga que tenho de lhe explicar
tudo, meu caro. Esse maldito papel que está para aí a fazer... ehh... como é
que se chama mesmo?
-
Orçamento,
Sombra.
-
Isso mesmo.
Orçamento. Ora o orçamento que você está a fazer é só para o próximo ano, meu
caro.
-
Sim, Sombra.
- Até lá a gente vende isto, meu
amigo.
Caros Amigos,
Hoje adicionei um excerto sobre o Jota ao site do livro ( www.correiodearc.wix.com/terra ),
ao blog (http://terraleve.blogspot.pt/ ) e ao facebook (www.facebook.com/terraleve).
Não há que enganar: o Jota
é um cínico. Homem (bem) vivido, observador por natureza com especial faro para
as fraquezas humanas , gosta de ficar longe da acção mas sabe recolher os
louros na altura certa. Paira sobre a investigação de Cabinda com uma certa
cabritinha de Benguela no pensamento. É assim o Jota: o trabalho complementa (sem
estragar) os prazeres que a vida tem para nos oferecer. E se ele pode ficar com
o melhor quinhão do bolo, só tem de aproveitar (mesmo que para isso tenha de
socorrer de alguns golpes menos heterodoxos) . Sempre vestido a rigor, de
paletó, panamá e flor (geralmente um
cravo) à lapela, passeia a sua bem
cuidada figura por qualquer cenário de crime sem nunca se sujar. Olha para o
esforçado Anselmo com condescendência e entre baforadas de puros cubanos sabe
que no final, a melhor parte ficará para ele.
O rosto, esguio, tem de retratar o “bon vivant”, mundano e inteligente. Quem olhar para a fotografia deve perceber que o Jota cultiva ciosamente uma descontraída sofisticação na aparência. Realmente ele é quase obsessivo nos detalhes e o risco das calças tem de estar perfeito, as camisas sem um único vinco e o paletó sem qualquer poeira. A barba, cuidadosamente mal aparada, dá-lhe o requintado toque dissonante na aparência que cuida com tanto esmero.
A sonoridade da música do Jota tem de ser sofisticada, complexa e
elegante. Tal como o personagem, aliás.
Conhecem por aí algum grupo/cantor que reúna essas características? A
mim veio-me logo à mente o britânico
Brian Ferry (a malta mais velha deve conhecê-lo dos Roxy Music. O pessoal jovem
que me lê, não perde nada em travar conhecimento com este grupo que foi tão inovador na década de setenta). Em 2007,
Ferry publica o álbum Dylanesque, talvez aquele onde melhor explora o som
“roxiano”. Curiosamente é o único álbum onde este “cantautor” não tem nenhum
original seu; todo o álbum (tal como o nome indicia) é feito de covers de
canções de Bob Dylan. Achei que a oitava faixa “If not for you” encaixa
perfeitamente na complexa personalidade do Jota. Podem ver e ouvir esta música logo após o texto.
Podem consultar a página do Jota em:
http://correiodearc.wix.com/terra#!__jota
http://correiodearc.wix.com/terra#!__jota
Escrevo algo que não me canso de repetir: utilizem umas boas colunas ou uns auscultadores.
Há imensa música no site e, francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é mau (horrível, mesmo).
Caso
gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos vossos amigos. É a
única forma de um desconhecido autor chegar a um público mais vasto. Os
endereços são: www.facebook.com/terraleve ou http://terraleve.blogspot.pt/.
E pronto, amigos. Em breve
estarei aqui para vos falar sobre o Puto Zé.
Capítulo 29
UM ANO PARA O FIM
JOHN TRAVIS
CABINDA
Terça feira, 22/Dez/2015, 10:30
A voz calma do Jota coloca alguma ordem
na sala. Segura cerimoniosamente no braço do Anselmo e obriga-o a
guardar a arma. Olha para o Tiago e remata.
- Deixaste de perceber português ou
ficaste surdo? Queremos falar a sós com o Doutor Viriato.
- Estão a cometer um erro, Jota.
- Mano, talvez seja melhor falamos
mais tarde sobre os erros de todos nós e depois irmos ao padre mais
próximo à procura de absolvição . - vira-se para o Viriato e
continua – Doutor, peço que nos acompanhe até à nossa humilde
casa...
- Mas... mas… eu posso assinar aqui
o depoimento...
Está ofegante, as palavras saem-lhe
tensas e aos repelões. O Tiago pensa que não era possível o homem exibir um
ar mais culpado.
- O seu colega disse que vinham
aqui para assinar... – continua em pânico o Viriato.
- Correto, Doutor. É bem verdade que
necessitamos da sua assinatura numa papelada. São os ditames
burocráticos que quase nos afogam – olha para a papelada dispersa
pela secretária e remata – Julgo que o Senhor Doutor percebe muito
bem ao que me refiro.
Compõe o cravo que tem à lapela e
continua, exibindo uma expressão semelhante à dos miúdos que são
apanhados em falta.
- Acontece que há uns pequenos
pormenores que gostaríamos de falar consigo.
Se tal fosse possível, o Viriato ficou
mais branco que as paredes do gabinete. Subitamente o ar faltou-lhe e
começou a arfar em pânico.
- Mas eu estou inocente. Eu juro que
não fiz...
- Calma, Doutor. Calma! Porque está
assim tão nervoso? Tem algo a esconder? Não? Então ainda bem para
o senhor. É só uma conversinha que queremos ter consigo longe dos
seus muitos afazeres.
- Mas eu estou inocente – o Viriato
está quase a choramingar.
- Caro Doutor, há cerca de uns vinte
anos mandaram-me a Lisboa para uma formação. Digo-lhe uma coisa,
caro Doutor, nunca devem enviar um patriota Angolano a Lisboa durante
o mês de Fevereiro. Ainda hoje sinto nos ossos o frio que sofri por
lá.
Pelo canto do olho o Tiago viu a
expressão de contrariedade que passou pelo rosto do Anselmo. Pelos
vistos também ele conhece esta longa história. Não tarda nada irá
falar do mentor dele, um tipo com a cara em formato de ovo, de bigode
e óculos redondos. Dizem que é parecido com o Poirot.
- Disseram-me há tempos esta coisa
espantosa: os Dinamarqueses são o povo mais alegre da Europa. São
considerados os Brasileiros da Europa ou, se preferir, os
Benguelenses de Angola. Consegue acreditar numa coisa destas? Para
mim é um dos grandes mistérios da Humanidade. Os tipos vivem meio
ano quase às escuras e com temperaturas de fazer gelar a alma e …
Abana a cabeça com incredulidade. Tiago apoia-se na secretária e vê o Anselmo fazer o mesmo. Quando o Jota
está lançado no seu tema preferido é capaz de falar durante horas
sem parar.
Agora fala do seu mentor, o tal Poirot
português.
- Devia ser considerado um herói
nacional, sabe? Por aqui o tipo era morto num instante porque não
sabe ficar calado. Mas depois erguiam-lhe uma estátua, davam o seu
nome a uma avenida, consolavam a viúva e esqueciam o incidente.
Nesta terra o tempo tudo lava.
O Viriato estava hipnotizado com este
exótico discurso. As extraordinárias palavras do Jota estavam a
conseguir o milagre de o acalmar.
- Um filósofo, este Frederico de
Souza - faz uma pausa, talvez para recordar a extraordinária
personagem - Anselmo, já te contei a frase que o Fred se fartava de
repetir sobre a inocência dos suspeitos? Eu diria que é a sagrada
Lei da Inocência do Suspeito, segundo o Inspetor Frederico de Souza. Isto se houver alguma coisa sagrada.
Leva as mãos à cabeça num gesto
teatral.
- E não é que me esqueci? Doutor,
doutor, isto só pode ser da idade – exagerando nos gestos,
dirige-se ao Anselmo - Ò Anselmo, ajuda-me lá.
- Até prova em contrário, todos são
culpados – responde-lhe o Tiago.
- Isso mesmo. Isso mesmo. Pelos vistos
aprendeste alguma comigo, Tiago! – o Jota exibe um largo sorriso –
Está a ver, Doutor? Eu até poderia concordar consigo e dizer que o
acho inocente. Mas estaria a mentir com todos os dentes que a minha
boca tem. Por isso, meu caro, vamos ter uma agradável conversinha na
delegacia. Se não se importa, vá com estes cavalheiros – aponta
para quatro guardas que estão a barrar a porta. - Entretanto
gostava de dar uma palavrinha a este seu empregado.
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