quarta-feira, 17 de junho de 2015

Jota









Caros Amigos,






UM QUASE CONTO POUCO EDIFICANTE:



As 50 sombras do Silva


O Silva estava quase a ir ás lágrimas quando soube que o Sombra quer falar com ele. Sou o raio de um simples contabilista e não uma máquina de fazer milagres, resmunga com os seus botões enquanto se prepara para o que aí vem.

-      Silva, meu caro, diga-me só isto: por acaso acha que alguém me vai comprar a padaria se vir esta miséria de números?

O Silva olha desconsolado para o orçamento do próximo ano que preparou com tanta arte. Nalguns casos, para secreta satisfação do Silva, teve a ousadia de ir um pouco além da arte; foi mais artifício.  

Agora só lhe apetece dizer que aquele desastroso verão do ano passado não foi culpa sua. Porém, olhando para a cara furibunda do Sombra, acha prudente ficar calado.

-      Até eu sei que a porcaria destes números tem de estar no verde, com fatinho vestido de ver a Deus, felizes, contentes e a sorrir para o comprador como prostitutas à espera do primeiro cliente da noite! Quero números que transpirem confiança, Silva! Confiança e sucesso! Tire-me esta cambada mal amanhada, depressiva e chorona. Esta coisa cheira mal, Silva! Com números destes, mais vale fechar já a chafarica.

-      Mas eu já cortei onde podia cortar, Sombra...

E é bem verdade o que o Silva diz. Cortou  vinte porcento na farinha o que tornou os papo secos em verdadeiros pães de água.

Também se reduziu na água.

Cortou radicalmente no sal (olhe o coração, Silva! Ainda muitos fregueses nos irão agradecer ter-lhes salvo a vida!).

A etetricidade apanhou um corte de 40% e durante noite a padaria passa a laborar à meia luz (para criar um ambiente intimista, Silva!). 

Os padeiros mais experientes deram de frosques ao anteciparem o desastre anunciado ( veja os putos licenciados que agora metemos, Silva. Foram quase à borla, e um deles até tem uma pós graduação numa treta qualquer!).

Só as gajas do balcão, essas putas, é que deram em fazer greve.

O Sombra nutre um ódio de estimação para com estas loucas alucinadas. A padaria quase a fechar e as gajas vai de fazer greve por tudo e por nada!

Ao Silva parece um milagre a padaria do Sombra conseguir vender um pão que seja quando, mesmo ao lado, as duas padarias low cost florescem vistosas.

-      Se não consegue reduzir os custos, então aumente as receitas. É básico, Silva. Uma coisa básica. Aumente um euro por papo seco e vai ver que os números ficam logo felizes.

-      Mas...

Mais por temor que respeito, o Silva cala o que lhe vai na alma.

Aumentar o preço daquela triste mistela aguada a que o Sombra chama pão?

-      Silva, vamos ver se nos entendemos de uma vez por todas – a pouca paciência do Sombra esfuma-se rapidamente como ténue neblina matinal - eu acho que contratei um contabilista e não uma máquina de fazer problemas.

O Silva acena respeitosamente procurando um buraquinho no chão para se escapulir.


-      Se acha que um euro é muito, aumente qualquer coisa que se veja. Olhe, compense na produção. Aumente a produção mas mantenha os custos que havemos de cortar um pouco mais no farelo. E se isto não chegar, abata uma das máquinas. Está a ver, Silva? Ora aqui está uma boa ideia: vendemos uma máquina e ainda diminuimos os leasings. Mas aumente a produção, caraças! Bolas, Silva, o contabilista é você! Aumente a produção e o preço, caraças!

-      Mas...

-      Silva, Silva! - agora o tom do Sombra é paternalista – não me diga que tenho de lhe explicar tudo, meu caro. Esse maldito papel que está para aí a fazer... ehh... como é que se chama mesmo?

-      Orçamento, Sombra.

-      Isso mesmo. Orçamento. Ora o orçamento que você está a fazer é só para o próximo ano, meu caro.

-      Sim, Sombra.

-      Até lá a gente vende isto, meu amigo. 











Caros Amigos,

Hoje adicionei um excerto sobre o Jota ao site do livro ( www.correiodearc.wix.com/terra  ), ao blog (http://terraleve.blogspot.pt/ ) e ao facebook  (www.facebook.com/terraleve).  

Não há que enganar:  o Jota é um cínico. Homem (bem) vivido, observador por natureza com especial faro para as fraquezas humanas , gosta de ficar longe da acção mas sabe recolher os louros na altura certa. Paira sobre a investigação de Cabinda com uma certa cabritinha de Benguela no pensamento. É assim o Jota: o trabalho complementa (sem estragar) os prazeres que a vida tem para nos oferecer. E se ele pode ficar com o melhor quinhão do bolo, só tem de aproveitar (mesmo que para isso tenha de socorrer de alguns golpes menos heterodoxos) . Sempre vestido a rigor, de paletó, panamá e  flor (geralmente um cravo)  à lapela, passeia a sua bem cuidada figura por qualquer cenário de crime sem nunca se sujar. Olha para o esforçado Anselmo com condescendência e entre baforadas de puros cubanos sabe que no final, a melhor parte ficará para ele.





O rosto, esguio, tem de retratar o “bon vivant”,  mundano e inteligente. Quem olhar para a fotografia deve perceber que o Jota cultiva  ciosamente  uma descontraída sofisticação na aparência. Realmente ele é quase obsessivo nos detalhes e o risco das calças tem de estar perfeito, as camisas sem um único vinco e o paletó sem qualquer poeira. A barba, cuidadosamente mal aparada, dá-lhe o requintado toque dissonante na aparência que cuida com tanto esmero. 

A sonoridade da música do Jota tem de ser sofisticada, complexa e elegante. Tal como o personagem, aliás.  Conhecem por aí algum grupo/cantor que reúna essas características? A mim  veio-me logo à mente o britânico Brian Ferry (a malta mais velha deve conhecê-lo dos Roxy Music. O pessoal jovem que me lê, não perde nada em travar conhecimento  com este grupo que foi  tão inovador na década de setenta). Em 2007, Ferry publica o álbum Dylanesque, talvez aquele onde melhor explora o som “roxiano”. Curiosamente é o único álbum onde este “cantautor” não tem nenhum original seu; todo o álbum (tal como o nome indicia) é feito de covers de canções de Bob Dylan. Achei que a oitava faixa “If not for you” encaixa perfeitamente na complexa personalidade do Jota. Podem ver e ouvir esta música logo após o texto.







Podem consultar a página do Jota em:
http://correiodearc.wix.com/terra#!__jota


Escrevo algo que não me canso de repetir: utilizem umas boas colunas ou uns auscultadores. Há imensa música no site e, francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é  mau (horrível, mesmo).

Caso gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos vossos amigos. É a única forma de um desconhecido autor chegar a um público mais vasto. Os endereços são: www.facebook.com/terraleve   ou http://terraleve.blogspot.pt/.
E pronto, amigos.  Em breve estarei aqui para vos falar sobre o Puto Zé.

















Capítulo 29
UM ANO PARA O FIM
JOHN TRAVIS
CABINDA
Terça feira, 22/Dez/2015, 10:30

A voz calma do Jota coloca alguma ordem na sala. Segura cerimoniosamente no braço do Anselmo e obriga-o a guardar a arma. Olha para o Tiago e remata.

- Deixaste de perceber português ou ficaste surdo? Queremos falar a sós com o Doutor Viriato.

- Estão a cometer um erro, Jota.

- Mano, talvez seja melhor falamos mais tarde sobre os erros de todos nós e depois irmos ao padre mais próximo à procura de absolvição . - vira-se para o Viriato e continua – Doutor, peço que nos acompanhe até à nossa humilde casa...

- Mas... mas… eu posso assinar aqui o depoimento...

Está ofegante, as palavras saem-lhe tensas e aos repelões. O Tiago pensa que não era possível o homem exibir um ar mais culpado.

- O seu colega disse que vinham aqui para assinar... – continua em pânico o Viriato.

- Correto, Doutor. É bem verdade que necessitamos da sua assinatura numa papelada. São os ditames burocráticos que quase nos afogam – olha para a papelada dispersa pela secretária e remata – Julgo que o Senhor Doutor percebe muito bem ao que me refiro.

Compõe o cravo que tem à lapela e continua, exibindo uma expressão semelhante à dos miúdos que são apanhados em falta.

- Acontece que há uns pequenos pormenores que gostaríamos de falar consigo.

Se tal fosse possível, o Viriato ficou mais branco que as paredes do gabinete. Subitamente o ar faltou-lhe e começou a arfar em pânico.

- Mas eu estou inocente. Eu juro que não fiz...

- Calma, Doutor. Calma! Porque está assim tão nervoso? Tem algo a esconder? Não? Então ainda bem para o senhor. É só uma conversinha que queremos ter consigo longe dos seus muitos afazeres.

- Mas eu estou inocente – o Viriato está quase a choramingar.

- Caro Doutor, há cerca de uns vinte anos mandaram-me a Lisboa para uma formação. Digo-lhe uma coisa, caro Doutor, nunca devem enviar um patriota Angolano a Lisboa durante o mês de Fevereiro. Ainda hoje sinto nos ossos o frio que sofri por lá.

Pelo canto do olho o Tiago viu a expressão de contrariedade que passou pelo rosto do Anselmo. Pelos vistos também ele conhece esta longa história. Não tarda nada irá falar do mentor dele, um tipo com a cara em formato de ovo, de bigode e óculos redondos. Dizem que é parecido com o Poirot.

- Disseram-me há tempos esta coisa espantosa: os Dinamarqueses são o povo mais alegre da Europa. São considerados os Brasileiros da Europa ou, se preferir, os Benguelenses de Angola. Consegue acreditar numa coisa destas? Para mim é um dos grandes mistérios da Humanidade. Os tipos vivem meio ano quase às escuras e com temperaturas de fazer gelar a alma e …

Abana a cabeça com incredulidade. Tiago apoia-se na secretária e vê o Anselmo fazer o mesmo. Quando o Jota está lançado no seu tema preferido é capaz de falar durante horas sem parar.

Agora fala do seu mentor, o tal Poirot português.

- Devia ser considerado um herói nacional, sabe? Por aqui o tipo era morto num instante porque não sabe ficar calado. Mas depois erguiam-lhe uma estátua, davam o seu nome a uma avenida, consolavam a viúva e esqueciam o incidente. Nesta terra o tempo tudo lava.

O Viriato estava hipnotizado com este exótico discurso. As extraordinárias palavras do Jota estavam a conseguir o milagre de o acalmar.

- Um filósofo, este Frederico de Souza - faz uma pausa, talvez para recordar a extraordinária personagem - Anselmo, já te contei a frase que o Fred se fartava de repetir sobre a inocência dos suspeitos? Eu diria que é a sagrada Lei da Inocência do Suspeito, segundo o Inspetor Frederico de Souza. Isto se houver alguma coisa sagrada.

Leva as mãos à cabeça num gesto teatral.

- E não é que me esqueci? Doutor, doutor, isto só pode ser da idade – exagerando nos gestos, dirige-se ao Anselmo - Ò Anselmo, ajuda-me lá.

- Até prova em contrário, todos são culpados – responde-lhe o Tiago.


- Isso mesmo. Isso mesmo. Pelos vistos aprendeste alguma comigo, Tiago! – o Jota exibe um largo sorriso – Está a ver, Doutor? Eu até poderia concordar consigo e dizer que o acho inocente. Mas estaria a mentir com todos os dentes que a minha boca tem. Por isso, meu caro, vamos ter uma agradável conversinha na delegacia. Se não se importa, vá com estes cavalheiros – aponta para quatro guardas que estão a barrar a porta. - Entretanto gostava de dar uma palavrinha a este seu empregado.






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