quinta-feira, 11 de junho de 2015

Frederico de Souza









Caros Amigos,


UM QUASE CONTO POUCO EDIFICANTE: 

ADMIRÁVEL JORNALISMO NOVO



Quando Lorenzo emergiu das turbulentas águas do Arno, já o corpo da infortunada mulher repousa no chão da Ponte Vecchio, para mórbida admiração de quem por ali passava.

Lorenzo foi o último mergulhador a subir para terra, talvez pelo pequeno busto que segura numa das mãos.

-      Parece mesmo uma das máscaras mortuárias de Varezzi – comenta  o colega Guido, observando longamente o mudo grito de um velho cego esculpido em pedra.

Paolo,  que por  acaso acorrera ao ajuntamento na Ponte Vecchio, tirou em menos de um minuto oito fotografias do Lorenzo, do busto e da infortunada mulher.  Enviou por SMS as oito fotografias ao amigo Riccardo que trabalha no Corriere de La Sera. Escreveu: mergulhadores encontram busto atribuído a Varezzi enquanto resgatavam um corpo do Arno .

Ao mesmo tempo que Riccardo termina em tempo record a notícia da maravilhosa descoberta Florentina, Thomas Boyle, o curador do MET de Nova Yorque solta um palavrão por ser acordado tão cedo.  O excitado Andrew Tyler, o amigo que tem no Post, pede-lhe um comentário urgente sobre o grito do velho cego, a obra prima de Varezzi,  hoje  miraculosamente resgatada das águas do Arno, perto da Ponte Vecchio.

Enquanto a ambulância   transporta  para a morgue do Ospedale di Santa Maria Nuova  o Lorenzo, os colegas e o corpo da infortunada mulher, as redacções dos principais jornais exultam com a maravilhosa descoberta italiana, e as respectivas edições on line estão repletas das fotografias tiradas pelo smartphone do Paolo. Apesar da qualidade digital não ser a melhor, o Photoshop operou milagres e o busto com o grito do velho cego resplandece em tudo o que é jornal.

A notícia da descoberta de uma escultura de Varezzi propagou-se rapidamente como fogo em palha seca, deixando o mundo das artes  e da cultura num imenso delírio onde o êxtase se mistura com o stress imposto pelo timing da notícia.  As edições digitais dos principais jornais não poupam nos elogios à scoperta fantástica e  as notícias valsam doidamente em bytes, chips, motherbords e outras maravilhas da ciência, competindo entre si numa superlativa orgia literária.  

Nas palavras do conservador Guardian, o admirável grito do velho cego viu finalmente a luz, para gaudio de todos nós;

Já o francês Le Monde foi mais parco em palavras, mas ainda assim sublinhou a importância da descoberta, elogiando o grito do velho cego é sem dúvida a obra mais representativa do génio maior  do renascimento,  aquela que melhor resume toda a alma de Varezzi.

O Corriere de la Serra alucinou e numa overdose de alegria patriótica escreveu que  último fôlego de Varezzi,o grito do velho cego, uma dádiva do eterno Arno para a humanidade, 

O alemão Die Zeit é menos eloquente e limita-se a  aclamar  o genial trabalho de Varezzi incorporando toda a dor do mundo no silencioso grito do velho cego.

O Lorenzo ajudou os funcionários a colocar o corpo da pobre mulher numa fria bancada da morgue. Está longe de imaginar que neste preciso momento trava-se uma renhida  batalha entre o nova iorquino MET,  o inglês VA e o recém aberto Louvre em Abu Dhabi;  todos querem ser os primeiros a exibir o que um crítico de arte há minutos apelidou de a oitava maravilha do mundo, a par da estátua de  Zeus, do Colosso de Rodes ou da pirâmide de Quéops.  

Quando Lorenzo chega à sala de descanso do pessoal começa a retirar o busto que resgatou das águas do Arno.

Todos os seus colegas olham atentamente para a televisão.

O Ministro da Cultura reluz no pequeno ecrã. Está  ladeado pela mais fina intelligentsia cultural italiana, enquanto explica ao mundo a importância deste achado.  O Ministro transborda de orgulho pela a recente descoberta, pelo  Varezzi, pela  Itália e, principalmente, por si próprio.  

Logo o ecrã se encheu com uma das fotografias tiradas no smartphone do Paolo, agora cuidadosamente retocada em fotoshop.

-   A tua estatueta é mesmo parecida à da televisão – diz um colega a olhar para o busto do Lorenzo.

-   Quem me dera – ri-se o Lorenzo – esta aqui tem uma inscrição dentro da boca do velho.

Curiosos, os colegas olham para a boca do velho cego.

Dentro da cavidade bucal está efectivamente uma pequena etiqueta com um código de barras:

Made in China.










Hoje adicionei um excerto sobre o Inspector Frederico de Souza ao site do livro ( www.correiodearc.wix.com/terra  ),

 ao blog (http://terraleve.blogspot.pt/

e ao facebook  (www.facebook.com/terraleve). 

Conhecemos o Inspector  Frederico, Fred para os amigos,  no meu anterior livro, “Uma questão de Bonecas”.  

Apesar dos complicados problemas na coluna que lhe causam dores permanentes e condicionam o andar, o brilho no olhar e um sorriso muitas vezes satírico, traduzem uma inteligência viva, perspicaz e muito criativa. 

Neste livro encontramo-lo reformado da Polícia Judiciária mas ainda muito ligado aos anteriores casos,  principalmente a um atentado ocorrido em Sevilha. A sua intervenção no caso Sevilhano  foi marginal; colaborou apenas com a polícia Espanhola. No entanto  não consegue conviver com o falhanço deste caso e continua a investigar obsessivamente o horrível crime. 

Quem conhece o Fred sabe que é um lutador. Um sobrevivente, como por vezes costuma dizer. Foi-me  fácil imaginar a solitária missão que se impôs, a dedicação que colocou e as dificuldades  que teve de superar. Contrariamente ao descrito no meu livro anterior, encontramos o Inspector Frederico depressivo com este caso que teima em ser mais forte que ele. Com o decorrer da acção, para desespero da Clara, a sua mulher, o Inspector  vai-se fechando cada vez mais sobre si. A demanda , cada vez mais obsessiva, cada vez mais solitária e irracional, traduz a  dimensão da derrota que o Inspector não consegue assimilar.


Bem sei que devia ter pedido uma fotografia ao Inspector Frederico.  A verdade é que arriscava-me a ouvir uma nega se lhe pedisse … Daí resolvi colocar simplesmente uma fotografia que lhe tirei.  Fred, por esta passa, ok?


Quanto à música que o retrata foi das coisas mais fáceis. Bastou um telefonema. “Fred, qual é a música que achas que te retrata melhor?”.  Ele escolheu e eu aplaudi. Solsbury Hill, do primeiro álbum a solo de Peter Gabriel.  Sem dúvida, uma excelente escolha. Vejam o video de Solsbury Hill logo a seguir a este texto.

Podem consultar a página do Inspetor  Frederico  em:
http://correiodearc.wix.com/terra#!__fred

Escrevo algo que não me canso de repetir: utilizem umas boas colunas ou uns auscultadores. Há imensa música no site e, francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é  mau (horrível, mesmo).

Caso gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos vossos amigos. É a única forma de um desconhecido autor chegar a um público mais vasto. Os endereços são: www.facebook.com/terraleve   ou http://terraleve.blogspot.pt/.
E pronto, amigos.  Em breve estarei aqui para vos falar sobre o Jota. 




















Capítulo 20
UM ANO PARA O FIM
FREDERICO DE SOUZA
LISBOA
Domingo, 20/Dez/2015, 16:00


Sente todas as vértebras da sua martirizada coluna a protestar quando se levanta da cadeira. Vai até ao balcão pedir dois cafés ao António só para andar um pouco. A dor está espalhada por todo o corpo e esta mudança de tempo tem sido um rude golpe para os seus ossos. É sempre assim, pensa conformado. Há dias que mais parece uma estação meteorológica ambulante. Geralmente é o primeiro a saber quando o tempo muda. Os ossos encarregam-se de lhe dizer.

Olha para o Pedro, esquecido nas suas recordações à frente do tabuleiro de xadrez. Não se permite ter pena do tipo. A incessante busca da verdade que tantos dissabores lhe tem dado, é um vício que há muito deixou de contrariar. 

Não pode culpar a mulher pela falta de paciência que tem. Ainda hoje pela manhã ouviu das boas. Nem na reforma descansas, tinha-lhe atirado quando o viu imerso em recortes de jornais e memorandos do atentado em Sevilha.

Tem uma parede do escritório forrada com a papelada de Sevilha. Já perdeu a conta às zangas domésticas que este mural tem causado. A Clara nem pode ver a parede forrada de rascunhos de jornais, memorandos rabiscados apressadamente e marcas de caneta vermelha.

Tacitamente ela não entra no quarto do vício e quando por acaso o faz, sai de lá com os nervos em franja. Ouviu a porta bater com um pouco de força a mais quando saiu para o aeroporto. A cadela, farejando o stress no ar desatou a ganir, inquieta. 

É o maldito vício, pensa uma vez mais. O seu vício. Simplesmente não consegue parar e desligar-se do assunto.


Capítulo 30
UM ANO PARA O FIM
FREDERICO DE SOUZA
LISBOA
Terça feira, 22/Dez/2015, 14:30

Só de ver a imensa atividade da Clara entre tachos e muitas panelas ficou cansado. Senta-se no sofá da sala, pensa num copo de Jameson com duas pedrinhas de gelo, olha para a mulher e suspira abandonando a ideia do copo, do gelo e principalmente do whisky. Sabe que vai ser assim durante os próximos dias e no final, apesar de imensamente feliz pela companhia dos filhos e netos, irá sentir o protesto de cada maldito parafuso que tem na coluna.

Prudente, evita a cozinha mais a sua frenética ocupante e resiste à tentação de meter-se no escritório e perder-se no mural forrado com os recortes de jornais, fotografias e notas do atentado em Sevilha.

Dirige-se para a janela e faz uma distraída festa na cabeça da impaciente cadela. Hoje vai ser difícil levá-la a passear, pensa olhando para uma espessa cortina de água que não pára de cair, ocultando a maravilhosa vista para a baía de Cascais. Maldiz interiormente esta invernia que nem lhe permite pegar na bicicleta e ir por aí saboreando a vida e algumas obras primas que normalmente costumam passear no paredão. Com um suspiro afunda-se no sofá, tentando não olhar de novo para as garrafas de whisky que embelezam o móvel à sua frente.

Ultimamente acontece-lhe perder a noção do tempo quando mergulha no informático mundo do facebook. Cansado de estar dobrado sobre o computador, espreguiça-se como um gato, alongando o mais que pode toda a região lombar. Olha para a janela e vê que a chuva transformou-se num incerto pingar e o sol, perfurando as grossas nuvens, ilumina aqui e ali a baía de Cascais.

Adivinhando o pensamento, a cadela aparece à sua frente com a cauda a bater que nem um catavento louco. Coloca a bola do passeio perto dos seus pés num claro convite à brincadeira.

Toca o telemóvel.

- Frederico Souza...

Só há uma pessoa que teima em chamá-lo por Frederico mas a voz que lhe surge stressada não é a do Miguel.

- Interrompo? Desculpe telefonar-lhe assim...


Finalmente identifica esta voz que lhe chega com tantos sinais de nervosismo.














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