quinta-feira, 4 de junho de 2015

Teresa Belo











UM QUASE CONTO POUCO EDIFICANTE:

A PROPOSTA OBSCENA



O Sr. Ermelindo acha-se um perfeccionista, sempre atento aos pequenos detalhes ou às letrinhas miudinhas onde quer que elas apareçam. 

Já os amigos acham-no uma encomenda das antigas, um chato de primeira, um insuportável picuinhas.

Cada cêntimo que o Sr. Ermelindo gasta  é ponderado até à exaustão. A compra do carro que o acompanha quase há trinta e cinco anos é um bom exemplo; levou mais de um ano a escolher o modelo e o vendedor capitulou após dois meses e meio de intenso  regateio onde preço, acessórios e outras benesses eram analisadas, comparadas e discutidas até à exaustão.

Também a oficina que merece a sua confiança surgiu após delicada análise de mercado e muita melguice que os pobres companheiros de almoço tiveram de aturar. Aliás, não é de estranhar que o Sr. Ermelindo almoce muitas vezes sozinho; reuniões de última hora afugentam os colegas para longe de tão chata criatura.  

Hoje, noite cerrada, vemos o Sr. Ermelindo entrar no velho carro  com a mais pura expressão de incredulidade estampada no austero rosto. Simplesmente não consegue abarcar a enormidade que está prestes a cometer. 

Mas a verdade é que não consegue resistir à curiosidade de tamanha obscenidade que lhe propuseram.

Por isso, sentindo-se num pesadelo, está prestes a ligar o motor.


O sonho mau  começou ontem quando telefonou à oficina para marcar a revisão do velho automóvel.

-      Se me permite a sugestão, Senhor Ermelindo...

O Sr. Ermelindo  adora sugestões, principalmente aquelas que lhe permitem poupar uns tostões. Por isso aguçou o ouvido enquanto refazia mentalmente  contas ao que ia gastar na revisão do carro. 

De tostão em tostão se vai ao milhão
é uma das sentenças mais ouvidas da ríspida boca do Sr. Ermelindo.  Com a dica do moço da oficina,  o porquinho de cerâmica que tem ao lado da velha televisão de toda uma vida irá certamente  engordar umas moeditas. 

Pois, é, pois é, de tostão em tostão se vai ao milhão...

-                  Nós abrimos uma segunda oficina, Senhor Ermelindo. Se quer a minha opinião, aconselho-o vivamente a levar até lá o seu automóvel.

O que o Sr. Ermelindo ouviu foi mais ou menos isto:

Leva  lá o automóvel que ficas bem servido  e ainda poupas uns cobres.

De tostão em tostão se vai ao milhão
...

-                  Fica a Miguel Bombarda número...

Espanta-se o metódico  Sr. Ermelindo que se gaba conhecer Lisboa como a palma da sua mão direita. 

Simplesmente não existe nenhuma oficina de automóveis na Miguel Bombarda.

-                  Na Miguel Bombarda?

Algo não encaixa no mundo muitíssimo arrumado do Sr. Ermelindo.

-                   Na Miguel Bombarda, mas de Coimbra, Senhor Ermelindo.

Por momentos o Sr. Ermelindo pensou não estar a ouvir bem. 

Aquilo soou-lhe a coisa sacrílega e mentalmente fez o sinal da cruz para espantar algum demónio que por ali andasse.

-                  Mas... Em Coimbra? Está a sugerir que faça  cerca de duzentos quilómetros para levar o meu carro à revisão?

-                  Mais exatamente duzentos e trinta quilómetros até à nossa oficina, Senhor Ermelindo.  Mas já viu o prazer que é viajar até Coimbra?

Em boa verdade o Sr. Ermelindo estava perfeitamente marimbando no prazer da viagem.  Seja para Coimbra ou para outro lado qualquer. Aliás, no somítico mundo do Sr. Ermelindo, viajar assume contornos de pecado. Ainda quando é à boleia...

Perante tamanha enormidade  pensou,  horrorizado,  na gasolina, no desgaste das peças  e nas malditas  portagens que teria de pagar até chegar a Coimbra para pôr o carro na revisão.

Tem de  haver uma explicação lógica para tamanho absurdo, pensa incrédulo o Sr.Ermelindo enquanto agarra com demasiada força o telemóvel.

-                  Quer dizer... lá em Coimbra a revisão fica  bastante mais barata que em Lisboa. É isso? 

O mundo do Sr. Ermelindo ficou de pernas para o ar com tamanho disparate e o pobre homem tenta a todo o custo restaurar a ordem no seu cantinho.

-                  Nem por isso, Senhor Ermelindo. Nem por isso.

Mistério!

Então porque raio  estão a sugerir que leve o carro até  Coimbra se eles têm uma oficina aqui em Lisboa?

-                Bem… os técnicos lá de Coimbra são melhores? É isso?

Um pouco de lógica nesta história, por favor!

-                Olhe, Sr, Ermelindo, se quer que seja sincero consigo… nem por isso. Aliás, de vez em quando até enviamos uns técnicos aqui de Lisboa para formar essa maltosa lá de cima.

-               Mas então…

-               Já agora, Sr. Ermelindo, uma vez que o senhor é um bom cliente da casa, permita-me  recomendar a pensão “ O descanso do Lisboeta”. Conseguimos para os nossos clientes  tarifas muito competi…

Isto foi a cereja no topo da sensatez do Sr. Ermelindo. 

Estas propostas soam obscenas ao somítico ouvido do homem e a história do hotel foi a gota de água que escorregou pela sua já gasta paciência.  

-              Por amor de Deus! Mas para que quero ficar uma noite em Coimbra?

-              Bem… o Senhor é que sabe mas… o pessoal lá de Coimbra é um pouco lerdo, não sei se me faço entender. Isto de cumprir prazos não é com essa gente, meu amigo. Apesar de todas as garantias que possa ouvir deles, desconfie dessa malta. Sabendo disto,  um homem prevenido vale por dois, não é verdade Senhor Ermelindo?


Agora, ainda o sol não nasceu  e o Sr. Ermelindo roda a chave do carro enquanto, ainda aparvalhado,  murmura: eu não estou a fazer isto. Eu não estou a fazer isto.


E segue em direção a Coimbra para fazer a revisão do velho carocha.








Hoje adicionei  ao site do livro um excerto sobre a Teresa Belo ( www.correiodearc.wix.com/terra  ), ao blog (http://terraleve.blogspot.pt/ ) e ao facebook  (www.facebook.com/terraleve).  

Se a Teresa chegasse a conhecer o John Travis, desconfio que não iria morrer de amores por ele  : enquanto ele é violento, rústico, uma montanha de músculos e de poucas palavras, ela é  bonita, delicada e alegre. Já quanto ao inverso, tenho as minhas dúvidas. No entanto ambos tem uma coisa em comum:  souberam lutar por um lugar de destaque neste livro. 

Tal como o John, a Teresa devia aparecer na trama apenas de forma marginal. A função dela  limitava-se a ser o elo comum entre  vários acontecimentos (aparentemente desconexos). Em boa verdade, a Teresa Belo  não apareceu no primeiro esboço que imaginei. Foi a tal  necessidade de ligar algumas histórias que justificou a personagem Teresa Belo. Mesmo assim, como disse,  devia ser uma figura marginal, ficar na sombra de trama. 

Ora a Teresa Belo não esteve pelos ajustes e rapidamente soube transformar-se num personagem central (e obrigar-me a reescrever parte da trama).Não contente com esta façanha, ao longo da escrita a Teresa  teve a arte de se ir transformando num dos meus personagens preferidos. Ri-me com a Teresa e com ela senti algumas vezes os olhos marejados. Estou certo que pelo menos alguns de vós também sentirão algo parecido ao longo da história. Ao colocar o ponto final no livro, foi da Teresa e da Annie que senti mais saudades…


Também a Teresa tem alguém real que me serviu de modelo quanto aos traços de personalidade. Como compreendem, atendendo à personagem Teresa Belo, não divulgo o seu nome. Basta-me que ela saiba que estou muito agradecido por poder utilizar as suas principais características. A par da enorme beleza, a transbordante alegria, positivismo e confiança na vida , tornaram a personagem Teresa numa das minhas preferidas. Para esta minha amiga, para além de um imenso obrigado, fica uma certeza: amanhã tenho todo o gosto em oferecer-lhe um café com um pouco de canela. 

A Teresa é linda. É sem dúvida a mulher mais bonita do livro. Nela tudo é perfeito: um corpo fantástico, uma cara delicada, uns olhos maravilhosos e um sorriso deslumbrante. Os homens (e algumas mulheres) derretem-se perante tamanha beleza e pensam… enfim, vocês sabem o que eles pensam e o que gostariam de fazer com ela.

A escolha deste rosto não foi tarefa nada fácil. No final fiquei algo decepcionado; tamanha beleza grita por um outro rosto. 







A Teresa é uma prostituta de luxo que sabe retirar o que a vida (e principalmente o dinheiro)  tem de bom para lhe dar. Então a música que procurei  para ela devia reflectir este glamour.   Tinha de ser uma música que combinasse a sofisticação com a elegância.  Vem-me à memória Hiltons, Starwoods e outros hotéis de luxo por esse mundo fora, camas de cetim, champanhe francês e gloriosos fins de tarde nos grands boulevards ou na quinta avenida. 

“La vie en rose”, claro está. 

A sofisticação é dada pela Grace Jones. 

Acham bem?  





Podem consultar a página da Teresa Belo  em: http://correiodearc.wix.com/terra#!__teresa  

Escrevo algo que não me canso de sublinhar: utilizem umas boas colunas ou uns auscultadores. Há imensa música no site e, francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é  mau (horrível, mesmo).

Caso gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos vossos amigos. É a única forma de um desconhecido autor chegar a um público mais vasto. Os endereços são: www.facebook.com/terraleve   ou http://terraleve.blogspot.pt/.







Não resisto e partilho convosco parte do bonito email escrito pela  pessoa que me baseei para construir a personagem Teresa Belo:

“  Sinto-me (apesar da profissão da criatura :P) muito lisonjeada por duas razões: a primeira, porque me dá uma enorme alegria ter inspirado uma personagem que será, pelo que me diz, muito querida aos leitores; a segunda porque,  apesar de exagerados, teceu grandes elogios a esta sua amiga!

Contudo, acredite que os elogios que mais me fizeram sorrir com algum orgulho em mim própria, foram as referencias à minha alegria e positivismo.

Gosto de cultivar essas qualidades, dá-me um prazer imenso poder alegrar os dias das minha família e amigos, tentando também fazer com que todos vejam o mundo um pouco mais “cor-de-rosa”. Tanto que, não podia ter acertado mais na escolha do tema; “la vie en rose” é perfeito para mim! ;)

Sei que, por vezes posso tocar na ingenuidade e até nalguma infantilidade, mas sei que sou muito mais feliz assim e espero ir contagiando os que me rodeiam com esta minha maneira de ser."

Eu acrescento apenas que me sinto muito feliz em tê-la como minha amiga.  








E pronto, amigos.  Em breve estarei aqui para vos falar sobre o meu grande amigo, o Inspetor Frederico de Souza.
















Capítulo 15
UM ANO PARA O FIM
TERESA BELO
LISBOA
Sexta feira, 18/Dez/2015, 21:00

Afasta cuidadosamente uma lágrima rebelde e sorri. Era só o que faltava estragar a ligeira sombra que acabou de aplicar com tanto esmero. Olha para o relógio e tenta calar a ansiedade que a visita aos amigos do Nuno lhe está a causar. A triste verdade é que está atrasada e não quer pensar como irá encontrar o Nuno. Nota-o nervoso, impaciente. 

Foi desde que aquele amigo os convidou para jantar. 

Não devia ter confirmado a suposição do bom gigante. Foi um impulso súbito. Depois, como acontece com a maioria dos impulsos, arrependeu-se logo. Mas tinha sido bom. Bom? Foi maravilhoso ter passado pela mulher do Nuno durante aqueles minutos. Encarnar o que nunca teve e sempre sonhou. Na sua vida as coisas boas normalmente passam depressa e agora o Nuno anda todo nervoso. 

Não é para menos, pensa. O homem é gay, vai visitar os amigos e tem de fingir o tempo todo.

Seca cuidadosamente outra lágrima enquanto pensa no teatro que o Nuno terá de fazer. Era tão bom não haver nenhum teatro e entrar naquela casa como sua companheira! Com este jantar sente que abriu uma brecha neste homem tão maravilhoso e ao mesmo tempo tão impenetrável. 

Impaciente, procura um fio que lhe realce o colo. Já é o quarto que experimenta e este será rejeitado como os anteriores. Olha uma vez mais para o relógio e lamenta de imediato  tal gesto. A verdade é que não está a preparar-se para um jantar. É mais do que isso, é um enorme desafio, este. É como se fosse uma guerra, sem tiros nem mortos, mas ainda assim, uma guerra.

Nem sabe porque se empenha tanto.

Pára de mentir para ti própria, recrimina-se. A verdade é que sabe muito bem porque se está a comportar como uma colegial.

Nuno.

Só tem pensado nele, anseia pela sua companhia, sente-se bem junto dele, segura e compreendida. Todo este turbilhão de sentimentos por um gay!

Retira outro colar ao mesmo tempo que pensa no absurdo de estar apaixonada por um gay. Já encontrou homens muito mais bonitos que o Nuno, mais alegres e, sim, porque não dizê-lo, com muito mais dinheiro que este pianista de bares. O que terá este homem eternamente despenteado, com a barba por fazer e demasiado magro para as amarrotadas roupas que veste? 

Apesar da sua profissão, já esteve com alguns homens que a satisfizeram na cama como nunca imaginou. Mas nunca encontrou nenhum que a preenchesse tanto como este maldito homossexual. E nunca o Nuno lhe tocou com um dedo! Oxalá, pensa enquanto seca cuidadosamente uma lágrima mais rebelde, me tocasse com todos os dedos e em todos os recantos...

Agora são várias as lágrimas que lhe escorrem pela face, olha uma vez mais para o relógio e decide esquecer o fio e a sombra que aplicou. Vai simples, sem artifícios que lhe realcem a beleza. Também, para quê? A única pessoa que quer impressionar é inacessível.

Nuno.

Esse querido homossexual de quem apenas sabe que toca maravilhosamente piano e joga xadrez no café da esquina. Não lhe conhece namorado, família nem emprego de jeito. O passado dele é uma tela em branco. Há uma muralha que o rodeia e que resiste ás suas perguntas. Quão empenhada tem estado em abrir uma brecha nesta fantástica barreira. Nos seus sonhos mais íntimos diz-lhe que o ama e fantasia uma vida idílica a três: ela, o Nuno e uma cabana.

Hoje, quando acordou, e recordou-se por breves instantes da corrida junto à praia. Um cão brincalhão metia-se  pelo meio fazendo-a cair. Estavam extenuados mas felizes. O Nuno deixa-se cair e volta-se para ela, abraça-a e beija-a como não houvesse amanhã. 

Ri-se desse adolescente sonho que acabara de ter. É um riso triste este, mas mesmo assim, recordando o sonho, sente o seu corpo incendiar-se com o tal fogo que não se vê mas queima como o diabo.

Sim, não há que negar o enorme desejo que sente por este homem. Tal fogo entranha-se pele adentro, enlouquece-lhe o sexo e comanda a vontade. Interfere, hó se interfere, no seu trabalho. Na cama, com os clientes, não consegue desligar-se da imagem do seu improvável amor. Até já fantasiou estar com ele enquanto outras mãos, frenéticas e exigentes trabalham o seu corpo. Por mais que fantasiasse com o Nuno, sentia-se distraída e, pior, algo embaraçada. Já não foram nem um nem dois clientes que notaram tal alheamento. Receia inclusive ter perdido um dos mais regulares. Aconteceu com ela o pesadelo de qualquer prostituta que se prese. O tipo perdeu a erecção. A culpa, sabe bem, é deste alheamento que a tem assolado.

Bendito alheamento, pensa, enquanto procura uma malinha preta sem alças. Pela primeira vez na vida sente-se apaixonada. Entrega-se a este sentimento como uma adolescente. Sente-se ansiosa e insegura. Perdeu o norte na voracidade dos sentimentos e, como na canção, só pensa nele, a todo o momento.

A campainha toca, é o Nuno. Sente um fogo selvagem incendiar o corpo ao ver o ar apreciativo que lhe deitou.


- Bolas, Teresa, estás simplesmente deslumbrante! 

Sente a sinceridade nas palavras dele e cora como a colegial que nunca foi.






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