Caros Amigos,
Hoje dei comigo a pensar no sismo do
Tibete e sem saber muito bem porquê, recuei até 2004, ao tsunami do oceano
índico. Para além das milhares de vítimas que se registaram, estas catástrofes
tiveram uma coisa em comum:
O elemento surpresa.
Amanhã, sexta feira dia do trabalhador,
um outro cataclismo irá abater-se sobre muitos de nós, este com aviso
prévio, data, hora marcada e uma grande cobertura mediática.
Imaginem uma fantástica onda que se vem
aproximando da TAP em slow
motion. Comunicação social, Governo e até a Administração tem traçado nos
últimos tempos um panorama dantesco para o “day after” da greve dos
Comandantes da TAP.
Daqui a pouco, o Presidente do sindicato dos Pilotos vai falar nas televisões. Talvez seja para desconvocar a greve. Que seja. Pobre consolo de quem já tanto perdeu. Digam o que disserem, o triste espetáculo já foi encenado e a TAP, toda ela, saiu perdedora.
Daqui a pouco, o Presidente do sindicato dos Pilotos vai falar nas televisões. Talvez seja para desconvocar a greve. Que seja. Pobre consolo de quem já tanto perdeu. Digam o que disserem, o triste espetáculo já foi encenado e a TAP, toda ela, saiu perdedora.
Toda ela.
Todos nós.
Hoje, tal como ontem, vivemos intensamente a empresa. Agora, uma normalidade cada vez mais aparente e nervosa toma conta de nós, os de terra, a tal multidão silenciosa, que continua a fazer o que sempre fez. E bem.
E com muito sucesso.
Basta recuar um ano.
Ainda se lembram do que era a TAP antes
do desastroso verão de 2014? Fomos um exemplo entre gigantes. Um "case study".
Algo que nos podemos orgulhar profundamente.
Construímos um Hub que funciona, ligámos o Brasil e
as Ex-colónias à Europa como nenhuma outra transportadora soube fazer. Levamos
Portugal por esse mundo fora e somos o maior exportador nacional, fazendo
entrar anualmente no país cerca de mil milhões de euros de divisas.
Lembro o papel fundamental da TAP durante a
descolonização, a ponte aérea que estabelecemos para Angola e Moçambique e
pergunto-me quanto o estado português nos pagou.
Também me lembro das rotas ruinosas que fomos
forçados a abrir contra todos os estudos que elaboramos. Los Angeles e Macau
são apenas dois exemplos.
Fomos eficazes, crescemos e conseguimos ombrear
entre os maiores. Soubemos ser o David que tantas vezes enfrentou o Golias.
Tudo isto fomos nós que conseguimos.
Até que alguém nos rasteirou no verão de 2014.
Até que alguém nos rasteirou no verão de 2014.
E foi nessa altura que o nosso tsunami se começou a formar. Esse mesmo que em camara lenta agora se abate sobre nós.
Para os amigos TAP que leem estas linhas, um forte abraço.
Agora deixem-me falar sobre o personagem principal.
Hoje adicionei ao site do livro um excerto sobre o Pedro Lage
ao facebook (www.facebook.com/terraleve)
e no
site ( www.correiodearc.wix.com/terra )
No site, desbloqueei a “janela” correspondente, dentro do campo
“Personagens”.
Para quem leu o livro anterior (Uma questão de bonecas), o apelido
Lage deve soar familiar. Refiro-me, como devem calcular, aos Lage da Aldeia
Viçosa (a pequena povoação beirã “plantada” nas margens do Mondego e terra
natal de gente muito famosa...).
Alguns de vós sabem que me socorro de sonoridades para
caracterizar os meus personagens (bem como da maior parte da trama imaginada).
Desta forma vou construindo ( e reconstruindo) autenticas bandas sonoras
durante o processo de escrita. Para a figura nostálgica e amargurada do Pedro
(a Annie, a sua mulher, morreu num atentado em Sevilha) socorri-me de um
nocturno de Chopin que gosto particularmente. Trata-se do Opus 9, nr 1 em B
menor.
Um trabalho que faço com todos os meus personagens é dar-lhes um
rosto. Alguns de vós conhecem pessoalmente o Inspector Frederico e (acredito)
muitos gostariam de conhecer a belíssima Ângela Maria, a beleza beata de “Uma
questão de bonecas”. Quanto ao nosso Pedro Lage vasculhei imensas fotografias
da net e escolhi aquela que mais se adapta à imagem que construi do Pedro.
Oxalá gostem e, senão pela escrita, ao menos que esta fotografia faça bater
mais forte alguns corações femininos.
O texto que selecionei pretende transmitir a nostalgia que
acompanha o Pedro ao longo das páginas do livro. No site, o texto que retirei
do livro aparece dentro de uma box. No lado direito há um “elevador” que têm de
o utilizar para poderem ler todo o excerto.
Escrevo algo que não me canso de sublinhar (e realçar a amarelo ): utilizem
umas boas colunas ou uns auscultadores. Há imensa música no site e,
francamente, o som dos PCs, tablets, etc, é francamente mau (horrível, mesmo).
Caso gostem deste site e do que estão a ler, divulguem pelos
vossos amigos. É a única forma de um desconhecido autor chegar a um público
mais vasto. Os endereços são:
www.facebook.com/terraleve
ou
http://terraleve.blogspot.pt/.
www.facebook.com/terraleve
ou
http://terraleve.blogspot.pt/.
E pronto, amigos. Em breve estarei aqui para
vos falar sobre o Carlos Parreira e desbloquear mais uma “janela” do site
www.correiodearc.wix.com/terra
www.correiodearc.wix.com/terra
Ouçam aqui a música que caracteriza o Pedro Lage.
(Chopin, noturnos, Opus 9, nr 1 em B menor)
Excertos do prefácio.
(Uma vez que copiei pequenas partes do prefácio, optei por realçar
a amarelo a questão temporal.
O prefácio está estruturado
em vários “flashbacks” do Pedro Lage.
No prefácio, os “flashbacks”
recuam a 1998. No entanto, para
simplificar a leitura, optei por copiar apenas as memórias relativas a
Setembro de 2016, sendo que a história
termina em Dezembro)
PREFÁCIO
PEDRO LAGE
CAPE COD
Sábado, 24 de Dezembro
de 2016
(o dia do fim)
Ao olhar a pistola apontada para mim, senti que iria morrer em breve. Neste último instante de vida, uma gargalhada quase brotou dos meus lábios ao imaginar o rato João a cair no fumegante caldeirão. No meu caso, o caldeirão assume a forma de uma pistola, que está encostada à minha têmpora, e o punho do meu carrasco, está firme e sereno. À semelhança do rato, também eu procurei o meu caldeirão. Acreditei conseguir matar o meu carrasco, ignorando os ensinamentos da História; são os verdugos, não os seus clientes, quem tem a última palavra. Agora iria pagar de forma fatal esta minha leviandade.
A meu lado jaz aquela que um dia aprendi a amar. Adivinho-lhe um leve arfar no peito, cada vez mais fraco à medida que a vida, tingida a vermelho-escuro, escorre de um negro buraco, maior que o seu mundo. Irei levar para a eternidade o insuportável peso desta vida que agora expira. O destino dela ficou escrito na altura em que decidiu acolher-me no seu coração. Tal como o das duas outras mulheres que entraram na minha vida.
Dizem que a vida, toda ela, desfila em segundos numa derradeira revisão. É o balanço final antes de desvendarmos os segredos mais impenetráveis do universo.
Talvez um possível
começo para este fatal balanço seja o dia em que fui à FNAC do Vasco da Gama.
Tinha ido em busca do último livro do Paul Auster. Certamente tudo seria
diferente se me tivesse deixado ficar ao piano na Toca da Cerveja, lá para os
lados da Graça, talvez a tocar com o meu primo Filipe.
A vida, tão fértil em recomeços, torna a decisão de escolher um começo, tarefa particularmente difícil.
Apesar de não ser
o início, prefiro começar esta história num chuvoso final de tarde em Cape Cod.
Ж
Segunda- feira, 05 de Setembro de 2016
(três meses antes)
Negros castelos
avolumam-se em fantásticas formas sobre um mar inquieto. Da varanda que dá para
as dunas, contemplo o impreciso trajeto de uma gaivota, lutando solitariamente
contra o vento leste. Perante a fúria dos elementos, o esforço desta ave será
certamente em vão. Amanhã talvez veja o corpo do pobre pássaro perdido entre os
despojos da tempestade que agora se aproxima. Sinto-me como essa gaivota
solitária, num rumo errático, sem saber se sigo em frente ou se me deixe
abandonar nas ondas do mar.
As primeiras gotas chegam com uma irada rabanada de vento, fustigando a varanda e molhando a fotografia da Annie. Este ano, o Setembro tem sido especialmente chuvoso. Um violento relâmpago rasga o negro céu, e um impossível som ladra-me avisos que não consigo compreender. Sinto que um Deus impiedoso se ri de mim. Desde o último ano que esse desgraçado não tem feito outra coisa.
Limpo o vidro da moldura e maravilho-me uma vez mais com o caloroso sorriso repleto de promessas que não se cumpriram. Apesar da pouca nitidez, consigo ver a torre da Giralda atrás da cabeça da Annie. Não é preciso muito esforço para me lembrar dos acordes de uma solitária guitarra no bairro de Santa Cruz em exótico duo com os cantares de Natal. Da gótica Catedral, os sinos anunciavam as cinco da tarde. As estreitas ruelas estavam cheias de turistas despreocupados e tagarelas. Sob o frio sol de Dezembro escolhiam o melhor ângulo para eternizar em milhões de pixels as memórias de umas férias andaluzas.
Subitamente, mais violento que o som de mil trovões, o riso de Deus abateu-se impiedoso sobre todos nós.
Ж
Segunda-feira, 05 de Setembro de 2016
(três meses antes)
– Pedro? Está aí, Pedro? – a voz da mãe da Annie soava algo
histérica.
Eu estava todo ensopado dos gordos pingos que agora caíam furiosos
no alpendre. Nem sinal da solitária gaivota.
Os psicólogos dizem que é mau andar sempre a recordar o meu
passado com Annie. Um deles chegou inclusivamente a dizer-me que era uma
atitude compulsiva que só iria conduzir a mais depressão. Para meu próprio bem
tinha de parar com estas lembranças. De as esquecer.
Nunca mais voltei à consulta desse tipo.
A Annie é a minha vida. Como é que alguém pode esquecer a própria
vida?
– Preciso de falar consigo, Pedro. Urgentemente. Neste momento
estou a ir para aí. Preciso que me conte tudo. Percebeu? E quando digo tudo,
quero dizer mesmo tudo. Quero saber como conseguiu matar aquele homem. Quero
ouvir da sua boca toda a história. Como foi capaz de fazer aquilo. Ou me conta
tudo, ou vou direitinha à Polícia.
Ж
Sábado, 24 de Dezembro de 2016
(o dia do fim)
Olho agora para o buraco negro da pistola apontada à minha cabeça.
Sinto que chegou a minha hora.
Quase em câmara lenta vejo o dedo pressionar o gatilho e elevo uma
última prece a algum Deus que esteja a olhar para nós. Não Lhe peço nada para
mim, apesar de suspirar por uma morte rápida e com o mínimo de dor. As minhas
orações vão todas para a mulher que aprendi a amar e jaz com a vida a esvair-se
em golfadas de sangue.
Gostava de dizer que me sinto em paz, mas uma enorme culpa toma
conta do meu ser.
Inspiro uma última vez, saboreando sofregamente a vida que inunda
os meus pulmões.
Tinha chegado a minha hora.
Para mim, tinha chegado o FIM.